34- Encarar O Destino

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Eu pairava alguns metros acima do chão, observando meu lar, as árvores e as casas adjacentes. O que eu estava fazendo? Onde estava?

O dia estava claro e bonito, com a luz do sol se derramando em cada canto, entre cada folha, como se não pudesse existir escuridão. Estava tudo brilhante demais. Estranho. Algo não estava certo.

Estava chovendo antes. E deveria ser de noite, não de dia. Como eu tinha vindo parar naquele lugar ensolarado? E onde estavam todas as pessoas que deveriam estar andando por ali? Só em minha casa haviam umas quarenta pessoas agora há pouco.

Ora.

Agora há pouco?

Quando fora isso?

Eu não conseguia encontrar a ordem dos acontecimentos.

Flutuei de volta à altura do solo. Eu não o tocava, exatamente. Era mais como se não tivesse pés. Abri a porta da minha casa e procurei por meu pai. Ele não estava em nenhum lugar à vista. Sequer havia o cheiro de seu delicioso café, que ele sempre preparava à tarde.

Mas...

Minha casa não havia pegado fogo?

De repente, o cenário enegreceu. As paredes de madeira clara tornaram-se negras e enrugadas. Labaredas lambiam alguns móveis, já quase totalmente carbonizados. A temperatura subiu e eu fiquei com medo. Mas sem parar para pensar, atravessei mesas e sofás como se nem estivessem ali e passei pela porta fechada como se fosse de água. Aquilo não me pareceu nem um pouco esquisito.

Foi então que me lembrei que papai estava na casa de Aman... Amanda. Ao desejar, já me encontrava na frente do portão.

Penetrei argamassa e madeira com simplicidade, como se aquilo acontecesse todo dia. Fui direto para o quarto onde eu costumava ficar na casa dos Maro.

Entrei.

Lá estava a cama com um lençol totalmente esticado por toda sua extensão. Por baixo dele, havia um grande volume. Um corpo perfeitamente imóvel.

Não estava certo. Meu pai não deveria estar aqui.

Morto.

Readquiri peso quando a palavra cruzou minha mente e a gravidade me puxou para baixo. Senti toda a dor quando as plantas dos meus pés impactaram com o chão. Lembrar que meu pai estava naquele lugar, sem vida, me fez ficar ainda mais pesada.

Caminhei em direção à cabeceira, esticando a mão para alcançar a ponta do lençol fino. Porém, milímetros antes de tocá-lo, senti uma forte presença no quarto.

Você não deveria estar aqui. Só os mortos caminham por este sonho.

Girei o pescoço para descobrir a origem daquela voz. Liam estava ali, parado embaixo do batente da porta. Sua imagem se assemelhava a uma pintura em tamanho família, dada a sua inércia. Com efeito, sua boca nem se mexeu quando escutei sua voz novamente.

Se você deixar a vila, não terá forças para mudar o seu destino. Você ainda pode evitá-lo caso permaneça aqui.

A forma como ele falou deixou implícito algo muito importante.

— E quanto ao seu destino?

A presença, que era Liam mas ao mesmo tempo não era, apenas se calou. Em um piscar de olhos, a figura foi ficando transparente. Sua existência já não era mais tão palpável. Até que finalmente desapareceu, como se nunca houvesse estado ali.

Meus joelhos cederam e fiquei ali caída. Lágrimas vieram aos olhos e flutuavam até despedaçarem-se no assoalho. Novamente o destino. Aquela coisa maldita que insistia em prevalecer sobre todos.

Meu corpo então começou a passar através do chão, como se o peso aumentasse ainda mais. Eu tentava me erguer mas apenas afundava. Quanto mais eu me mexia, mais maciça eu ficava. Era como ser tragada por areia movediça.

Entrei em desespero quando minha cabeça ameaçou ser engolida. Me debati, gritei e chorei. Somente afundei ainda mais.

Foi quando despertei.

Olhei para todos os lados como uma alucinada. Era apenas um quarto austero. Havia uma cama sobre a qual eu estivera deitada e um armário.

O quarto de Amanda.

Ainda se podia ouvir os pingos acertando o telhado, agora de forma mais branda. A qualidade da luz também havia mudado, indicando a chegada da alvorada. Não fiquei inconsciente por muito tempo.

E também não seria uma inútil por muito mais tempo. Se eu não podia mudar o destino, o enfrentaria de frente, sem me importar com o que ele me reservasse. Eu enfrentaria tempestades e furacões para salvar aquele a quem eu amava.

Cruzei o corredor como um pé de vento em direção à sala da casa, para poder alcançar a saída. O senhor Antonio e a senhora Renata levantaram-se do sofá surpresos.

— Adri, minha querida. Amanda nos disse para cuidar de você. — Disse dona Renata com um sorriso um pouco tenso.

— Sim, descanse, menina. Deixe que Nicolas e Amanda resolverão tudo... — Seu Antonio tentou ser simpático.

— Sinto muito... Eu agradeço a hospitalidade, mas vocês sabem que não posso ficar.

Eles se entreolharam e depois baixaram os olhos. Dona Renata se recuperou mais rápido, aproximou-se de mim e colocou uma mão em meu ombro.

— Amanda nos disse que você ia querer ir. Desejou apenas que já tivesse conseguido resolver tudo antes de você acordar. Ela prometeu trazer Liam de volta.

— Eu acredito nela, dona Renata. Mas é errado não me deixar ajudar.

Ambos apenas assentiram. Dei um abraço em dona Renata e beijei sua bochecha. Passei pelo seu Antonio e fiz o mesmo.

Então corri porta afora, para finalmente encarar o meu destino.

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E agora, gente....? O que será que aconteceu com o Liam, de verdade? No próximo capítulo tudo será finalmente esclarecido!

Me digam o que estão achando! ;)

Dente de Leão -- Uma breve história anterior a Perna de MagiaWhere stories live. Discover now