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Já tinha chegado da minha noite tensa de trabalho. Estava com uma camisa de super herói e meu short gasto de corrida, olhava sem emoção nenhuma para o micro-ondas esperando que as pipocas terminassem de estourar para ir para o meu quarto ver um filme.

Meu turno na academia tinha sido tenso e exaustivo. Mas sobrevivi ao primeiro dia após deixar o olho de Nathan roxo. Mesmo com o clima estranho entre todo mundo fiz exatamente o que Alexander me disse, segui a diante.

Não ia desistir de tudo por causa de Nathan, nem em sonho.

Cuidei do tatame e dos vestiários em silencio. Enquanto ele inventava uma historia sobre o seu hematoma, eu fingia não me importar que ele estivesse mentindo. E evitando olhares e provocações eu segui meu turno de serviço até que a academia fechasse e o meu treino pessoal começasse.

Talvez nunca mais fossemos os mesmos.
E eu não esperava diferente.

O alarme do micro-ondas me trouxe de volta dos meus devaneios. E assim que despejei tudo em uma vasilha me dirigi para o meu quarto. Passei pelo meu pai que estava deitado no sofá vendo um jogo qualquer na tv, ele segurava uma cerveja e torcia sem muita emoção pela cesta que o jogador acabou errando.
Em tempos atrás meu pai não pareceria um homem tão comum, e eu não sabia dizer se aquilo era uma coisa boa ou ruim.

-Como estava o treino hoje querida?- perguntou ele, me obrigando a parar e olhar em sua direção.

-Otimo. Você deveria ir na academia qualquer dia desses, pode ser que te faça bem.- disse com um sorriso carinhoso.- E te ajudaria a dar um sumiço nessa barriguinha ai.

Ele sorriu para mim, fazendo as rugas ao redor dos seus olhos aparecerem. E eu amava quando ele ria assim, porque era a coisa mais doce que eu conseguia causar em alguém.

-Você iria comigo?- disse ele estendendo a mão para mim.

Contornei o sofá e larguei a vasilha de pipocas na mesinha de centro, ao lado das latas de cerveja que ele tinha bebido. Depois sentei do seu lado, escorando a minha cabeça no seu ombro.

-Claro que vou pai. Vou adorar te derrubar no chão.- disse com um sorriso.
Ele acaricia meu cabelo com carinho e depois beija o alto da minha cabeça, como faz todas as noites antes que eu pegue no sono.

Ele aponta para a vasilha de pipocas e olha para mim.

-Batman ou Vingadores?- diz ele com um sorriso.

Ergo as sobrancelhas tentando fazer suspense.

-Capitão américa.- ele estala os dedos com um sorriso, depois balança a cabeça de um lado a outro, como se fosse imperdoável errar. Depois larga a lata de cerveja na mesa de centro e ajeita as almofadas de baixo da cabeça.

Fico só olhando para ele, e não preciso que ele se convide para saber que ele quer assistir comigo. Fazemos aquilo com frequência, ver filmes faz parte da nossa rotina, dos nossos momentos de pai e filha.
Nunca fomos tão ligados quando a minha mãe era viva, mas nosso sofrimento nos uniu. E unicamente com ele eu não era a pessoa mais indomável do mundo. Por ele eu não me permitia errar, para ele eu nunca podia dizer jamais, com ele eu nunca gritava e nem tinha mal humor. Era importante para mim que meu pai sentisse orgulho de quem eu era e me tornaria. Porque qualquer coisa era superável para mim, somente o desgosto dele me amedrontava.

Quando uma garota perde tudo que lhe importa, verdadeiramente, na vida, ela tende a se tornar uma rocha. Incapaz de se permitir cair uma única vez, restrita a uma personalidade forte e uma força de vontade capaz de tudo. E tudo aquilo que sobra, nesse caminho de retorno a sua realidade, se torna sagrado. Porque pra quem perdeu tudo a sobra sempre será tudo que nos restou para lembrar dos melhor dias.

Quase, sem quererWhere stories live. Discover now