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-Eu posso muito bem fazer isso.- disse ao meu pai.

-Não, você não pode.- ele estava relutante.- Como vai tomar banho? E se alimentar?

Apontei para as muletas, fazendo meu pai revirar os olhos de frustração.

-Você não vai conseguir se virar sozinha.- disse ele.- Eu não vou, esta decidido.

Coloquei a mão por cima da do meu pai.

-Você não tem opção, se não for nessa viajem vai acabar perdendo o emprego. E isso não pode acontecer agora.- meu olhar no dele era solene, queria que ele entendesse que tudo ficaria bem, mesmo que eu também não tivesse certeza daquilo.- O pior já passou, sem contar que posso pedir a ajuda de alguém. Garanto que a Agnes vai ficar feliz por passar uns dias aqui comigo, ela detesta morar com o irmão.

Eu já tinha pensado naquela possibilidade, mas não teria coragem de pedir aquilo para minha amiga, justo quando eu sabia que ela faria uma viajem para o Brasil, afim de conhecer a família de Jay. Mas meu pai não precisava saber daquele fato.

-Eu pensei nessa possibilidade, mas sei que isso vai ser mais um motivo para os Collins querer pagar alguém para cuidar de você.- divagou meu pai consigo mesmo.- Já estamos devendo de mais para eles, mas ainda sim, sei a importância da minha presença nessa viajem.

Imediatamente fiquei intrigada.

-Do que você esta falando?

Meu pai arregalou os olhos, o que fez com que a minha sobrancelha se curvasse, ele estava escondendo algo de mim. Aquilo era nítido.

-Eu não tinha dinheiro para pagar pelo seu procedimento, muito menos pelo quarto que você ficou no hospital.- eu podia ver a humilhação estampada no rosto do meu pai, e me senti mal por ele.- Nem pude contestar.

Os ombros do meu pai cederam, e a sua tristeza era nítida a quilômetros. Mas ainda sim eu não entendi porque ele falava por códigos, como se soubesse que aquele assunto fosse me aborrecer.

-Do que você esta falando?

-Harry pagou por todo o seu tratamento.

Minha postura mudou, fiquei mais ereta no sofá, fazendo peso além do normal em cima do gesso que cobria a minha perna.

-Como assim?

Meu pai esfregou a cabeça, que já começava a perder cabelos, e olhou para o chão. Ele não tinha coragem de falar aquilo em voz alta.

-Antes que eu aparecesse no hospital, para assinar a autorização do tratamento, ele esteve lá, deixando um cheque, cobrindo todas as despesas que você poderia ter. Eu até fui atrás dele, dizendo que não poderíamos aceitar, mas ele não quis me ouvir. Disse que eu poderia pagar ao poucos quando pudesse, e depois me disse que qualquer coisa que eu precisasse era só ligar para ele.- os olhos do meu pai encontraram os meus, e nem aquele olhar de quem pede perdão ia me impedir de ficar irada com ele.- Ele que tem pagado pelos seus remédios, e assim que os Collins ficaram sabendo dessa convenção propuseram pagar alguém para cuidar de você também , nesses dois meses em que estaríamos fora.

-Como você pode fazer isso comigo?- falei magoada.- Você sabe que eu tenho bastante dinheiro guardado no banco, dos prêmios dos campeonatos. Não precisava ter pego dinheiro de ninguém.

Meu pai se levantou, caminhando de um lado a outro.

-Eu sei disso, e o Harry sabe disso. Mas ele não me deixou usar esse dinheiro, nem mesmo para pagar as despesas dos seus transportes até o médico.

-Mas pai, isso não é decisão dele. É meu dinheiro, minha vida, ele não tem direito de se meter desse jeito.

-Você não entende. Só a sua cirurgia custou duas vezes o valor que você tem no banco.

Abri a boca para falar, mas fiquei em silencio. De todas as coisas aquela era a pior que ele poderia me dizer, não queria Harry envolvido em nada daquilo. Principalmente porque aquele simples ato dele já estava mexendo comigo.
Maldito Harry.

-Acho que você não tem escolha então. Você tem uma conta enorme para pagar a eles, não pode se dar ao luxo de perder esse emprego.- me estiquei para alcançar as muletas. Depois me ergui em uma única perna, sentindo a dor brotar no meu quadril, com o peso do gesso que puxava a minha perna para baixo.

-Onde você vai?- perguntou meu pai desanimado.

-Vou ligar para a Agnes, antes que você tenha que vender um órgão para pagar essa família.- encaixei os braços na muleta e me equilibrei, sem olhar para meu pai, e sai andando em direção ao meu quarto com dificuldade.

- encaixei os braços na muleta e me equilibrei, sem olhar para meu pai, e sai andando em direção ao meu quarto com dificuldade

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Meu pai tinha partido aquela tarde, e a chuva que caia do céu parecia um lembrete do quanto aqueles dias seriam difíceis. Dois meses sozinha, ia ter que me virar muito bem.
Eu tinha mentido sobre o acompanhamento de Agnes, para meu pai. Minha amiga já estava no Brasil fazia dois dias, de modo, que nem liguei para ela.

Eu não estava usando roupas intimas, e minha camisa devia ter sido dos dias de obesidade do meu pai, já que iam até meus joelhos. Aquele tipo de roupa era fácil de tirar, então seria bem mais fácil se eu usasse só elas. Já tinha separado uma pilha de camisas largas e shorts velhos, mas era difícil colocar qualquer coisa por baixo, uma vez que a minha perna não dobrava.

Instalei um aplicativo no meu celular que pedia comidas, já que não poderia descer os sessenta lances de escada do meu prédio, todos os dias. E deixei a casa o mais confortável possível, para alguém que usava muletas constantemente.

Eu estava no banheiro, escovando os dentes em frente ao espelho,  escorada na pia de modo a equilibrar meu peso em uma perna só, quando a campainha tocou duas vezes. Enxaguei a boca o mais rápido possível, e posicionei meus braços nas muletas, tentando ser rápida nos meus movimentos, mas deixando uma muleta cair ao perder o equilíbrio.
Maldita muleta.

-Já vai!- gritei, ao mesmos tempo que me inclinava para frente, tentando não cair, para pegar a muleta. Demorei quase dois minutos para conseguir pegar o objeto sem cair, o que me irritou mais do que sei explicar.

Desajeitadamente fui até a porta, temendo que meu visitante tivesse desistido da minha companhia, já que eu tinha demorado uma eternidade para me deslocar. Estar de gesso era tão irritante, que nem olhar no olho magico eu conseguia, já que precisava me erguer para alcançar o buraco na porta.
Eu não fazia ideia de quem poderia ser, já que não esperava por ninguém.

Abri a porta com dificuldade, já que era trabalhoso segurar a maçaneta, e se equilibrar ao mesmo tempo. E quando vi quem era, fiquei confusa no mesmo instante.

-O que você esta fazendo aqui?- perguntei intrigada.

Parado a minha porta, com duas malas enormes, estava Nathan com o sorriso mais brincalhão nos lábios.

-Me mudando para a sua casa, enquanto seu pai estiver fora.- disse ele, com um sorriso idiota que me fez revirar os olhos.

-Nem você acreditou nisso.

Ele deu de ombros, e depois pegou as malas, erguendo elas do chão sem muita dificuldade.

-Não me faça ter que bater em alguém engessado.- disse ele passando por mim, sem me dar opção de escolha.

Quase, sem quererWhere stories live. Discover now