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Abri os olhos, bem a tempo de ver, Nathan aparecer tão nitidamente na tela da Tv. Ele estava incrivelmente sombrio, como se sua alma tivesse evaporado do seu corpo.
Seu olhar era firme, sua postura forte, e seus olhos estavam focados. Ele aquecia na beirada do tatame, movimentando os braços de forma precisa,  com um semblante preocupado e sério.

-Eu estava preocupado com você, mal conseguia me concentrar.- disse ele, me pegando de surpresa. Achei que ele não tivesse me visto acordar.

O juiz autorizou a entrada deles no tatame, e não consegui despregar os olhos da tela, nem mesmo para tentar entender o que ele dizia. Eu tinha perdido aquela luta, e nada me faria perder aquele momento outra vez.
Tudo foi muito rápido, Nathan tinha feito um excelente trabalho. Ao lado da luta dele, a minha parecia de amador, já que todos os seus movimentos eram precisos de mais. Ele era muito rápido, tanto que seu oponente ficou atordoado, com as voltas que Nathan dava em seu corpo, o que facilitou bastante para que ele pegasse o pescoço do garoto com facilidade. A luta não durou mais do que três minutos, e quando saiu do tatame, Nathan parecia não ter suado uma gota de suor sequer.

-Isso foi incrível.- disse alto de mais.

Ele olhou para mim, com um sorriso contido.

-Isso que eu estava distraído.

Revirei os olhos com o seu comentário, tentando arduamente não rir, da ironia daquele momento. Meses atrás eu mataria para ele estar falando comigo, e agora tudo parecia tão descontraído, que cheguei a me perguntar se esses dois anos tinham acontecido mesmo.

Dois toques na porta.

-Com licença.- disse uma mulher de avental vermelho e toca branca.- Eu trouxe a ceia de vocês.

Ela entrou com duas bandejas no quarto e sorriu para Nathan, com o rosto corado. Tudo isso como se eu não estivesse bem ali, na frente deles.
Ele sempre causava aquele tipo de reação nas mulheres. Era um moreno alto, forte e tatuado, com um corpo de dar inveja na maior parte dos homens, além é claro de parecer um guerreiro com a sua confiança. Qualquer mulher iria reagir assim, até aquelas mais bravas.

-Obrigada.- Nathan pegou a bandeja das mãos da mulher, querendo lhe ajudar com o peso. No momento que flexionou o braço, para segurar a minha bandeja, o rosto da mulher pareceu pegar fogo. Ela não conseguia mesmo disfarçar.

Fiquei só olhando para os dois, sem entender o que estava acontecendo. Parecia que os dois estavam sozinhos no quarto, ou que eu era invisível, já que ignoravam a minha presença. Nathan largou as bandejas na minha mesa e depois se despediu da mulher, que parecia relutante em ir embora.

-Você quer parar com isso?- disse a ele.

Nathan olhou para mim por um momento, confuso com o que eu dizia.

-Do que você esta falando?

-De você paquerar as mulheres do hospital. Elas vão me tratar mal, quando você for embora, desse jeito.- disse com as sobrancelhas unidas.

Por um breve momento achei que ele tinha ficado constrangido, mas Nathan era firme de mais para permitir que seu rosto ficasse vermelho. Então apenas revirou os olhos e posicionou a mesa auxiliar em cima de mim.
Ele até parecia familiarizado com o ambiente hospitalar, tanto que sabia o botão que levantava a cabeceira, e a alavanca que destravava as grades da cama. Ele serviu meu café, fez meu pão, como seu eu não pudesse fazer aquilo sozinha, depois colocou tudo na minha frente para que eu pudesse comer.

-Eu só vou tomar o café. Pode comer o pão se quiser.- peguei a xicara e levei aos lábios, soprando lentamente para esfriar o liquido quente.

-Você precisa comer Anne.- disse ele me advertindo.

Tomei um pouco de café e depois olhei para ele.

-Estou tentando não comer muito, já que estou presa a essa cama. Não quero ganhar muito peso, se não vou ter muito trabalho para perder até o próximo campeonato.

O olhar de Nathan mudou, então ele pegou a xicara da minha mão e colocou na minha mesinha móvel. Depois afastou a minha perna para que pudesse sentar ao meu lado na cama. Fiquei só observando os movimentos dele, sem dizer nada. Ele não costumava agir daquele jeito intimo, fazia muito tempo.

-Precisamos conversar sobre isso.- disse ele.

-Sobre o que?- perguntei com uma só sobrancelha levantada.

Ele olhou para baixo, depois respirou fundo antes de voltar a olhar para mim. Eu podia jurar que o que ele iria dizer tinha sido ensaiado, de tanto que ele fazia mistério com as suas atitudes.

-Seu pai falou com o Mestre, mas eu pedi para vir no lugar dele falar com você.

-Do que você esta falando, afinal de contas?- não estava gostando nada daquilo.

-O médico disse que a sua lesão foi muito grave, e que você vai demorar bastante para ficar boa e poder caminhar.- disse ele com pesar.- Mas tanto ele, quanto o mestre, acham que você não vai mais poder voltar para o jiu jitsu?

Uma ruga surgiu entre as minhas sobrancelhas.

-Como assim?

-Mesmo que você se recupere, e que seus movimentos fiquem bons, jiu jitsu é um esporte de muito contato e movimentos bruscos, seu tornozelo não vai mais ser o mesmo e as chances de a lesão voltar são muito grandes.

Meu peito afundou, e o ar pareceu sumir dos meus pulmões. Aquilo não poderia ser real, eu estava perdendo mais uma vez o meu chão, justo quando eu me encontrei outra vez. Aquilo não era justo, Deus não faria aquilo comigo outra vez.

-Mas a medicina progrediu muito durante os anos, não é possível que não exista nada que possam fazer para que o meu tornozelo fique bom outra vez.- disse negando com a cabeça.- Olha Nathan, sei que a recuperação vai ser difícil, mas estamos falando de mim, você sabe que eu sou determinada mais do que qualquer um. Isso não vai me impedir de ser quem eu quero ser. Muito menos, de conquistar os meus sonhos.

Os ombros dele cederam, ele acreditava mesmo no que estava dizendo. Mas eu não. A vida já tinha me derrubado muitas vezes, e não ia ser aquilo que ia me fazer parar, ninguém poderia me impedir de seguir em frente.

-Eu sinto muito.- disse ele.

-Não diga isso. Você ainda vai ver meu nome na parede, em um monte de quadros, assim como o mestre tem na academia dele.- meus olhos já estavam cheios de lagrimas, com a possibilidade de nunca poder de fato fazer aquilo. -Espere para ver.

Ele pegou a minha mão, e ficou me encarando até que meus olhos não aguentaram mais, transbordando todas as incertezas que ele mesmo tinha causado em mim. Meu chão tinha caído, e mais uma vez eu me sentia perdida.
Aquele era o meu plano, e eu ia bem, até que tudo me foi tirado.

Mais uma vez eu odiei a vida, e tudo que me rodeava. Se pudesse ficar de pé, provavelmente ia destruir aquele quarto, do mesmo jeito que tinha feito quando a minha mãe morreu.
Não conseguia aceitar o fato de que eu parecia estar  em constante avaliação, como se precisasse ser cada vez mais forte. Algumas pessoas simplesmente levavam a vida de maneira simples, mas eu não. Tinha que estar sempre buscando por algo que me ajudasse a seguir em frente, sem nenhum momento de paz e tranquilidade.

Como eu poderia ser uma pessoa menos amarga, vivendo assim? Não havia como.

Nathan beijou a minha testa e ficou sentado do meu lado até que eu parasse de chorar e acabasse pegando no sono. Não consegui dormir tranquilamente, meu sonho terrorista estava me matando. Eu estava no tatame, vendo todo mundo na academia rolar de um lado a outro, sem que pudessem ver a minha presença. Eu estava vestida com roupas normais, e não parecia mais parte daquele mundo.
Tudo estava desmoronando outra vez.
Mas daquela vez eu não tinha mais planos.

Quando acordei Nathan estava deitado na poltrona ao meu lado, com um semblante tranquilo e uma respiração silenciosa. Mas o que mais me surpreendeu, foi ver que a mão dele segurava a minha de forma carinhosa.

Quase, sem quererTahanan ng mga kuwento. Tumuklas ngayon