Capítulo 23🌙 Trevas

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Nota inicial:

Boa leitura ♥

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Pois quem, entre os seres vivos, desceu aos abismos de Utumno, ou percorreu as trevas dos pensamentos de Melkor?
O Silmarillion
- de J. R. R. Tolkien (1917)

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Aranel já havia estado ali.

Ela abriu os olhos e tateou o chão. Era frio e exalava um cheiro de pedra polida, tão forte quanto o café de Ruby pela manhã. Ou então, forte como as areias das praias a frente das Ered Luin, ou dos pães que assavam nas casas da Cidade do Lago. Tão forte quanto o perfume cítrico do Rei Thranduil. Quase tão palpável quanto a voz de sua mãe cantando sua catiga de ninar preferida. Tão forte quanto o abraço de Legolas. Porém, aquela pedra não possuía lembranças boas, e sim era hostil. Havia vincos e falhas na rocha, e vibravam em vozes sussurrantes.

A garganta de Aranel se fechou ao perceber que estava ali novamente. Parte de seu corpo estremeceu e ela se encolheu, abraçando as pernas em frente a barriga e apoiou o queixo nos joelhos. Estava gelada e assustada. Algo grande e amargo surgia no fundo de sua boca e ela tossiu. Seus olhos queimaram como se ela estivesse olhando para o sol, durante vários minutos. E antes que gritasse de dor, escondeu o rosto nos braços. Ela prendeu a respiração, desejando sair dali e querendo erguer a cabeça. Mas as Trevas não deixaram.

Ela ouviu o gorgolejar de frias vozes em seu ouvido, flutuando em sua volta e sussurrando perto de seu rosto. Eram pesadas e cruéis - choramingos e lamentações, maldições e pedidos de socorro. Eram tantas e falavam tão rápido que era impossível entendê-las. Havia sussurros assustadores, cruéis e maldosos, frios como a neve no inverno. E chegavam a tocar a pele de Aranel como se fossem agulhas, e doía. Seus ouvidos ardiam e pulsavam, doendo como se escutasse um som muito alto. Ela tapou os ouvidos com as duas mãos e continuou a fechar os olhos com força. Sua boca parecia ser segurada por alguma coisa pois não conseguia dizer uma palavra.

Aranel tremeu mais uma vez. Cruelmente, uma mão tocou seu pé – gélida, esquelética e cortante –, e a puxou. Ela foi arrastada pela ponte e gritou, assustada. Sua pele queimava e estava sendo cortada pelas fartas agulhas que haviam naquela mão. Sentindo sangue escorrer pelos seus dedos, Aranel segurou-se em uma das falhas da ponte e foi solta. Gemendo de dor, sentou-se e passou as mãos no pé, sendo, logo depois, úmidas por seu sangue. Apesar de não enxergar nada, seu oufato conhecia muito bem o odor do sangue élfico. Prendendo o choro, rasgou uma parte de sua blusa e enfaixou o ferimento. Ela trincou os dentes, ajoelhou-se e levantou os braços.

— O que você quer? — gritou. As vozes em sua volta responderam e gritaram em seu ouvido. Tantas e de uma vez, que Nel caiu para trás e bateu a cabeça. Aquilo estourou seus lábios e ela sentiu o gosto sangue na boca; de seus ouvidos desceram filetes de sangue, assim como de seu nariz. As vozes gorgolejaram mais alto e aquilo a insandecia. Ela se encolheu, abraçando o corpo e tremeu. Ouvindo os hostis sons gritando ao seu redor – vozes cruéis, frias e pesadas. Mãos acariciavam seus cabelos e ela tremia, pois as agulhas perfuravam sua pele e a puxaram. Cadavéricas sombras pesadas flutuavam em seu frente – palpáveis e profundas. Rindo e grunhindo, uivando e rugindo.

Aranel batia os dentes e seu corpo inteiro tremia como se estivesse no topo mais alto de uma montanha, coberta de neve. E nua. Mas ela não ligava. Pois em seus olhos, que estavam fechados, ela contemplava a beleza de Legolas. Seu rosto acolhedor e seu corpo quente. Se tivesse que morrer por ele, ela o faria. A lembrança do elfo era persistente e imutável. Ele estava ali.

Ela esticou a mão para tocar no rosto dele, mas não havia nada ali. Além disso, outra mão pegou a sua. Essa era pesada e extremamente quente, como uma pedra em ebulição. Aqueles dedos apertaram os dela e Nel gritou, tão alto que reverberou até nos confins do mundo. Aquilo a queimava e a deixava desnorteada, e sua superfície áspera irritou a delicada pele dela. A sombra se inclinou sobre ela e ela sentiu um bafo horripilante.

Lua de Cristal - Ela é do Príncipe - Vol.3 - CONCUÍDOWhere stories live. Discover now