Periódico do Komainu, Ilha dos Pássaros (Honra e Equilíbrio)

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Posto que o Sol Nascente estava em estado de miséria e que jamais aguentaria mais de uma semana velejando sozinho, é justo dizer que os Cães-leões deveriam estar de joelhos agradecendo aos Pierrôs pela bondade de ajudá-los sem cobrar um tostão que seja, no entanto, muito pelo contrário, para a maioria deles nada daquilo parecia um golpe de sorte, quem dirá a mais pura demonstração da benevolência divina. De fato as intenções torpes dos aliados até poderiam continuar um mistério, porém, também era fato que haviam intenções ali: e, sob as ordens de Hanzo, que ainda não podia se conformar com a ideia de terem aceitado suas exigências descabidas além de ajudar com o navio, sobrava a Sherikan o trabalho de descobrir o que os fazia tão... convenientes.

Logo de início, o que ficou evidente é que ninguém daquele bando batia muito bem da cabeça. A capitã, por exemplo, volte e meia saía de dentro de seu submarino apenas para caminhar em círculos em volta da escotilha, gargalhando alto e praguejando aos céus lamúrias sobre seus maiores ódios, porém, de todos os adjetivos que poderiam ser dados a ela, "burra" não era um deles, tampouco piedosa (ela cuspia no rosto de seu cozinheiro quando ele errava em seu prato). Ao se basear nela, Fang supôs que suas motivações pudessem ter a ver com os mapas de seu navio, assumindo lhe faltar experiência como navegadora e cartógrafa por conta da tenra idade, mas bastou uma troca de palavras para perceber que ela estava, senão de igual para igual, muito próxima dele no quesito de conhecimento. Por fim, depois de três longos dias e quatro noites ainda mais demoradas de observação, ficou atestado que os Pierrôs tinham uma energia caótica que, por incrível que pareça, os mantinham estáveis sobre as ondas do mar. Eram como forças opostas se anulando; enquanto Franz quarava a lavanderia completamente nu assim que o sol nascia, o imediato, um semimorto, agia normalmente, sorvendo o café na mesa do navio vizinho como se o mundo não rodasse e o tempo estivesse ao seu favor. Era incompreensível que pessoas tão opostas vivessem em harmonia, contudo a prova estava logo à frente: a déspota capitã os aceitava como eram, completamente bizarros e desprovidos de educação, e, em troca, os subordinados a seguiriam até o inferno — o que divergia muito do bando dos Cães, que não poderia vê-los como mais utópicos e irreais.

Foi com muito pesar que Sherikan contou ao capitão que não havia descoberto nada, e o sentimento de incapacidade só piorou quando descobriu que não havia sido o único encarregado da tarefa de espião. Little Fang, apesar de se demonstrar ameno aos conflitos na maior parte das vezes, havia se infiltrado no cotidiano dos lunáticos antes mesmo que Hanzo lhe pedisse, e vivendo junto deles, descobriu mais do que gostaria de contar. O primeiro fato era que, sim, Franz não estava exagerando quando dissera que dormia todos os dias despido porque as roupas lhe incomodavam; e o segundo, incrivelmente mais inútil que o primeiro, era que Pieri, de verdade, não parecia nem um pouco interessada em usurpá-los depois de ajudar. O capitão, que desde a discussão com Yun — aquela em que jogara pela escotilha uma gaveta cheia de desenhos para evitar lançar o próprio médico ao mar — parecia estar desgostoso, tornando-se ainda mais desconfiado, se é que era possível: em que lugar do mundo os piratas ofereciam ajuda sem desejar nada em troca?, se perguntava. Talvez o mundo estivesse realmente diferente do que costumava ser quando ia ao mar; afinal, a juventude parecia cobrar pelo tempo parado, implorando para fugir pelas juntas doloridas e costas travadas. Ainda não se considerava velho, mas depois de tanto tempo apenas se aproveitando dos pobres peixes que pulavam fora da linha após vencer a cachoeira invertida, de repente, o mundo parecia mais impactante do que jamais fora.

— Ilha à leste! — lá de fora, berrou o médico da tripulação dos pierrôs, com um curioso tom de surpresa em sua voz e tão alto que parecia estar do lado de dentro do navio detonado, e não em cima do Diabo Negro.

— Eu sei, caralho! Você acha que estou virando a estibordo por quê? — a capitã devolveu o grito, com grande irritação e mais estridente do que nunca, contudo o tom metálico de sua voz denunciava que, diferente do subordinado, a garota estava dentro do submarino.

Prisão de GatoWhere stories live. Discover now