East Blue, Baleen Beach (Marine 153rn)

67 6 0
                                    

April não pensou muito antes de sair de casa naquela madrugada escura, afinal, sua maior qualidade sempre foi a iniciativa, e não a inteligência.

Acontece que, desde que percebeu que seu mundo inteiro não passava de uma fazendola quase vazia, explorar se tornou a prioridade de sua vida, e nada impediria uma criança arteira de seguir seus sonhos — nem mesmo o teto, ou o bom senso. Sem outras escolhas (porque não queria ter outras), ela começou por baixo, indo além dos hectares de sua casa, mas logo isso deixou de ser o bastante e, quando os celeiros dos vizinhos se tornaram pequenos demais para abrigar seus mais estimados tesouros, sua vontade de ir mais longe só dobrou de tamanho: desejava estar o mais alto o possível, onde pudesse encontrar a mais bela das visões e, embaixo de si, veria diversos pescoços esticados, todos procurando o limite de sua grandeza. Pequena o quanto fosse, tinha certeza de que era capaz de realizar façanhas grandiosas, se tentasse. Iria ao mundo para tê-lo, porque a vida na fazenda não a comportava. (E ainda dizem que os pequenos não ocupam espaço!).

No fim das contas, foi necessário apenas um pingo de coragem para juntar a trouxa pela primeira vez, planejando ir embora para sempre. Isso e mais umas oito tentativas frustradas por ser pega roubando os alimentos da despensa, mas essas não contavam de jeito nenhum. Quando saiu rumo à cidade, April carregava na mochilinha algumas roupas leves, os alimentos já citados e o melhor par de botas da casa (posto que era a mais nova, os sapatos que de fato pertenciam a si não eram os da melhor qualidade) e, uma vez fora do terreno, ela gritou a plenos pulmões um "Adeus" que nunca seria correspondido, talvez pelo horário, talvez porque não era essencial para a vida ali — nunca se importou realmente. Estava tudo bem!, disse a si mesma. Somente sua infelicidade poderia florescer naquelas terras e o caminho de conquistas que almejava só poderia ser trilhado por ela mesma.

(Até um idiota saberia disso... Ainda que a confirmação a fizesse chorar só um pouquinho).

Daí em diante, a estrada da sua vida foi uma enorme ladeira de barro: April dormiu entre o mato e o chão de terra, às vezes torcendo para que ninguém a visse dessa forma, outras apenas implorando aos céus que fosse resgatada. Antes disso, ela nunca nem tinha imaginado como seria viver nas ruas, afinal, por mais temível que fosse a fazenda de onde veio, ainda assim tinha seus irmãos para ajudá-la de vez em quando, sem contar os abraços quentes que dava nos animais do celeiro para disfarçar o frio das noites de inverno. Sempre viveu um dia após o outro, se escondendo dos pais e comendo o que lhe davam de bandeja, bem longe do medo de não saber se duraria mais um dia ou não, não obstante foi no meio da situação deplorável em que se encontrava que, em meio as piscadas marejadas, bem no centro das manchas pretas que se formavam em sua visão periférica, a luz brilhante da manhã denunciou as sombras de uma mansa cidade e, por sua vez, as portas para o amanhã se abriram para si.

As casas pareciam turvas, mas sem dúvida alguma podia ver figuras passeando pelas ruas. Civilização, enfim!, pensou, e correu. Correu com suas últimas forças, cruzando os dedos para que sua maré de azar acabasse ali e um pouquinho de mágica a atingisse na cabeça, a alimentando e a trazendo de volta o peso que costumava ter. A respiração doía no peito, mas não o bastante para fazê-la parar. Finalmente, com as pernas vacilantes e unhas sujas, April adentrou de cabeça erguida, vestida de cordeiro e agindo como se fosse parte deles, por mais que, de prontidão, percebesse ao seu redor que uma ou outra conversa se interrompia enquanto passava: mulheres bem vestidas trocavam olhares maldosos entre si, comentando sobre suas roupas maltrapilhas e rosto imundo. 

Não foi o suficiente para impedi-la de andar. Precisava ser segura e sabia disso (porque, de outra forma, não saberia se poderia segurar a cabeça no pescoço antes de tombar). Então, com os olhos atentos àquele novo mundo, ela viu desde vitrines cheias de joias à vendinhas de artesanato. Pelo sol, ainda era cedo, mas já conseguia ver toda a vida que sempre almejou achar. Sorriu orgulhosa ao pensar que, em fim, não estaria mais sozinha e continuou pela rua principal, analisando as barraquinhas e lojas uma a uma até encontrar, por fim, a primeira que lhe chamou atenção: uma bancada com as mais variadas frutas e verduras, cheirosas e expostas pelas cores do arco-íris, do vermelho ao violeta.

Prisão de GatoWhere stories live. Discover now