East blue, Eel Tongue (Marine 153rd)

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Velejar pelos mares, assim como tantas outras decepções em sua vida, não era nem um pouco como imaginava. Isto é, Poyo já havia aceitado o barco pequeno, a gata falante que lhe dava ordens sobre como racionar a comida e bebida para que durasse mais e até podia tolerar o fato das ondas invadirem seus sonhos (pois toda vez que fechava os olhos para dormir, a água espirrava por cima de si e a afogava), mas, oras, aquele tédio era demais para suportar! Mesmo com a grandessíssima idade de treze anos completos, ela, uma adulta formada (tinha certeza de que era), tinha um limite de quanto tempo poderia ficar à deriva sem ter o que fazer e, naquele ponto, entre observar as nuvens pela tarde e contar as estrelas durante à noite, ela já estava preferindo a morte. De vez em quando, quando o Sol caía, ela juntava suas mãozinhas e mirava o céu, implorando para que sua companheira de viagem parasse com as mil e uma groselhas sobre qualquer assunto que ela não tinha o mínimo interesse de ouvir, entretanto de nada adiantava e, toda vez que um dia terminava, choramingava baixinho com a cabeça sobre as trouxas de roupa, cada vez mais certa de que aquela seria sua vida dali em diante.

Não importava por onde olhassem, Poyo e Belka eram uma dupla bastante oposta — enquanto a pirralha nem sabia comer de boca fechada, muito menos o que era um "estojo de maquiagem", a gata tinha gostos refinados e uma eterna paixão pela graça e a feminilidade —, no entanto entre os poucos momentos que os monólogos se tornavam conversas, as duas até tentavam achar assuntos em comum: moda e bebidas não serviam, lutas de espadas e histórias de pistolas tampouco. Até houve um momento em que a capitãzinha tentou inquirir sobre o passado da felina, porém, como não deu frutos, ela logo percebeu que esse assunto não deveria ser tratado por agora e, portanto, decidiu que deveriam voltar um passo atrás. Com tudo fora de questão, restou somente o que as uniu para começo de conversa: o amor pela pirataria. E que vasto assunto esse! Aos pouquinhos, foram construindo uma cumplicidade, falando sobre seus crimes e o quanto admiravam a vida dos sem leis, almejando para si tamanha liberdade. No fim das contas, transgressões e delitos se provaram presentes desde sempre na vida de ambas: quer dizer, decerto não podiam ser comparadas (a idade pesava muito quando se tratava de assuntos desse cunho, porque, de modo geral, crianças não são tão maquiavélicas na hora de cometer suas primeiras infrações), ainda assim, como estar predisposto a criminalidade já é meio caminho andado para quem quer ser pirata, ao menos nisso concordavam e, numa promessa silenciosa, juraram que qualquer, qualquer moral afundaria o navio nessa vida futura, então se, por acaso, o mundo tivesse poupado o mínimo de ética nelas, era a hora de se livrar daqueles empecilhos.

— Apesar de que, veja bem, mesmo os piratas têm seus princípios, eu sei... — Belka divagou em voz alta, de repente quebrando o silêncio das ondas do mar. Ela não esperava por uma resposta de Poyo porque acreditava firmemente que ela não tinha ideia do que eram princípios.

— O que vale é a palavra do capitão — a menininha diz, sábia e de nariz sujo, como se recitasse o óbvio: — Quero dizer, se o capitão julga certo roubar dos moribundos, não cabe a ninguém o contestar. É por isso que só se jura lealdade àqueles que se concorda completamente, dando-lhe o direito de decidir seu dogma daqui em diante. Renegar os preceitos a partir de então é uma falha sua.

A gata arqueou uma sobrancelha.

— E quais são os seus princípios, se é que posso saber? — perguntou, ressabiada. Não parecia certo ver aquela criança tão séria.

— Não tenho. Nenhunzinho.

— Como assim? Há pouco parecia tão certa de tudo! Não é possível que não tenha pensado sobre isso antes.

— Não posso dizer que tenho se não sei o que é. — Poyo piscou um olho, pondo a língua de fora em uma careta de deboche logo em seguida, por mais que não houvesse o mínimo de falsidade em sua frase, afinal, de fato não sabia o que eram, como nunca soube de nada na verdade. Todavia, se era seu direito pensar vez ou outra, arriscaria dizer que, em alguns momentos de sua vida havia esse lapso de informações que aprendera nos contos "piráticos" (chamava-os assim) que, de vez em quando, escapuliam sem pensar, como uma sapiência encastoada e escondida em seu âmago e que talvez nem ela pudesse compreender. Continuou: — As ondas varrem tudo, e muitas vezes os significados vão com elas! É por isso que eu não guardo muita coisa. Estou me deixando fluir junto com o mar.

Prisão de GatoWhere stories live. Discover now