East Blue, drácar (Dawn Island)

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Para quem via de fora, tudo parecia bem mais ridículo do que grandioso: foi um segundo para Belka arrombar a porta e, sem mais ou menos, os dois — a assombração de chifres e o cozinheiro — já estavam caídos no chão, ensopados com seja-lá-o-quê tinha naquele balde suspeito. Aparentemente a invasão repentina criou uma oportunidade para Flint, que não pestanejou e foi logo aproveitando a hesitação da mulher para derrubá-la com o próprio peso. A coitada não teve nem chance de se defender; derrubou sua foice e foi soterrada de braços abertos pelo brutamontes, a mercê de sua vingança. Ao ter sua visão tomada, só pôde pensar que morreria ali, naquela imensidão pesada. De fato é sempre este o triste fim dos fracos. Morrer sufocado, eu quero dizer. Restava-lhe apenas uma infame lição: não passava de uma coisinha magricela que não poderia nunca ter inventado de proteger alguém.

Entretanto, a realidade estava bem longe de suas suposições — e isso em todos os aspectos. Seu carrasco não era um homem (muito) vingativo, e tampouco queria torturá-la até a morte. Em vez de a esmagar, quando se viu livre, Flint apenas rolou para o lado o mais rápido que pôde, em seguida já se sentando sobre os joelhos a fim de esperar o inevitável fuzilamento da imediata (o verdadeiro perigo daquela situação). Em momentos como esse, era melhor seguir seu protocolo de infância e não contestar as broncas; tudo que dissesse poderia e seria usado contra ele e pouco importava se era uma vítima, o chão estava sim imundo e disso era, sem dúvidas, um cúmplice. Estava em um beco sem saída e, de todo modo, ao menos este era melhor do que ser degolado sem motivo aparente.

— Vocês dois também — a gata ordena aos "visitantes", os olhos fervendo em fúria. — De joelhos, como ele — aponta para Flint.

A imediata, por sua vez, não devia nada para ninguém e nunca foi o que chamam de alguém benevolente (certos traços, quando tão notórios, tendem a vir da mais tenra infância e por isso não podem ser mudados na vida adulta). Para ela, o certo a se fazer naquela situação era lançar todos ao mar, o cozinheiro incluso. Mas ela tinha o mínimo de bom senso. A verdade é que, querendo ou não, tinha de considerar os sentimentos da capitãzinha, então "todos no mar" estava fora de cogitação. Além disso, "Morgan", o nome indicado no cartaz para o beberrão suspeito, era sem dúvidas um bilhete premiado; e aquele bando precisava de um novo barco acima de tudo. Suspirou. Infelizmente, ele estava salvo também (ao menos do mar, já que precisava entregar um corpo para recolher a recompensa). Fora os dois, sobrava apenas... aquilo.

De todos os substantivos que poderia dar, somente "aquilo" servia, porque dentre todas as estranhezas dos cinco mares, ela com certeza se destacava. Era uma moça comprida, de cabelos negros e lisos escorridos por suas curvas — estas muito aparentes, já que quase não usava roupas para se cobrir, e o que tinha estava rasgado e molhado. Sentada inquieta sobre os joelhos, na ponta esquerda do trio e imediatamente colada à Morgan, se remexia sem parar, nem um pouco confortável com aquela posição de inferioridade, ou talvez incomodada com o fato de ser o centro das atenções. A pele descorada tinha um tom cinzento-azulado cadavérico; aterrorizante, se não fosse notado por um gato humanoide. Pior do que isso, os três olhos a encaravam fixamente, esperando impaciente alguma reação ou brecha para escapar. Não tinha ideia do que estava acontecendo ali ou da gravidade de sua situação.

— O que aconteceu aqui, Três-Olhos? Diga-me cada detalhe — Belka proferiu séria, sem se importar com o olhar indignado do cozinheiro em ver a gata dar créditos a uma desconhecida, e não para ele. — Eu saberei se estiver mentindo.

A mulher se contraiu ainda mais, as mãos firmes nas dobras de seus shorts. Salvo Morgan, não confiava em ninguém dali, e de jeito nenhum iria entregar o que fazia para estranhos. Por via de regra, até que se provasse o contrário, todos ali eram aliados do "loiro", e com isso não queria colaborar de jeito nenhum. Não com ele. Porém, o retumbar perturbador dos batimentos a deixavam sem muitas escolhas... Altos, rápidos e incessantes, vinham misturados daquelas três mulheres, e alguém com um ressoar tão terrível só poderia prever um mal indescritível. Estava presa no pior dos cenários e sabia que, se quisesse sair dali o quanto antes, teria de cooperar.

Prisão de GatoWhere stories live. Discover now