East Blue, Alto-mar (Loguetown)

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Belka estava apreensiva quanto deixar Merin no comando da embarcação, mas, contra todas as expectativas, sua habilidade se provou a escolha mais assertiva para fugir daquela tempestade: estavam a apenas alguns nós de Loguetown e as nuvens escuras já haviam se perdido no horizonte, ficando para trás junto daquele dia tão estranho. Ora, quem ia adivinhar que a vagabunda-azul tinha um talento escondido para navegação? Quando a encontrou no Monstro dos Mares pela primeira vez, quase nua e pronta para matar seu cozinheiro, certamente não passou pela sua cabeça que em algum momento iria confiar a vida de toda a tripulação (e principalmente a sua própria) àquela estranha, contudo, de alguma forma chegaram até ali — ainda por cima com todos vivos, o que é mais importante e de certa forma surpreendente.

Acontece que, desde o momento que conheceu a garota, julgou-a como um completo peso morto e ainda que tentasse ajudar — eventualmente invadindo a cozinha de Flint e tentando dar pitacos culinários —, não parecia ter êxito em qualquer outra atividade senão perseguir o médico. Era "simpática", sim (conseguia conversar mais com ela do que com Bertruska), mas só isso não mantém um navio no mar. Foi por um acaso que, no meio de seu casual conformismo (por tê-la à bordo, no caso), fez uma pergunta despretensiosa e acabou por descobrir em Merin uma joia a ser lapidada. A desgraçada tinha outro "poderzinho" que estava omitindo até então: conseguia ouvir as correntes marítimas e as tempestades, dessa forma podendo indicar rotas bem mais seguras que as anteriores. Uma putinha, se quer saber sua opinião — mas tinha sorte de estar com ela no barco.

Com pena do que passaram até agora, Deus os abençoou com uma tremenda sorte, e enfim os caminhos para o triunfo estavam se abrindo.

"Podem gritar e protestar! Que digam o que quiser sobre nós!

Se engana quem pensa que só com sorte e vida não dá para velejar."

Não eram bons piratas: longe disso, aliás. Mas viviam, e isso para alguns é o bastante. Por mais que não fizesse a menor ideia do que passava nas cabeças dos marujos, Belka tinha convicção que todos se sentiam da mesma forma; conectados e dispostos a seguir até o fim, seja lá qual for. As dores do passado existiam, jamais esqueceria suas próprias, mas em alguns momentos passava por si a sensação de desapego completo. As memórias — até as mais vividas e tortuosas — eram carregadas junto das ondas do mar, restando a si um pouco de esperança que quando o dia chegar ao fim, dormirá tranquila com suas próprias incertezas. Os planos não lhe cabiam mais da mesma maneira, não porque deixara de ter sonhos ou desejos, e sim porque adotar a postura de sua capitã diante da vida parecia o mais sensato a se fazer para prevenir as rugas de cansaço. No fim das contas, arquitetar um amanhã do começo ao fim parece besteira quando posto ao lado da grandeza do mundo e todas as suas possibilidades; o despropósito, por outro lado, cabe como uma luva na vida dos coitados que almejam baixo.

Bom, se o preço por isso tudo era aguentar as imbecilidades da capitã, pagaria de bom grado, pensou, abrindo um sorriso sincero e pondo sobre a mesa um coquetel preparado por Flint especialmente para ela. Comparado com tudo que passou, estava vivendo no paraíso, sem dúvida alguma — e por ele lutaria até o fim.

De súpeto, uma interjeição incrédula de Merin (destoante com seu tom tão sereno) tira a gata de seus pensamentos; só assim se deu conta do tempo que passou distraída consigo mesma, sequer se lembrava do tópico que discutiam, mas tinha certeza que não era nada relacionado às histórias de marinheira vividas por Bertruska. A mulher azul reagia ativamente a cada ação e questionava tudo, querendo desta forma compreender um pouco mais do mundo. Ela também parecia realizada com a vida de pirata. Olhou para seus arredores, o céu iluminado pelas infinitas estrelas e o convés pelas lanternas de papel. Em sua direita, a ex-marinheira bradava sobre as vitórias de um passado próximo e mais atrás Flint e Morgan esticavam sobre a madeira envelhecida algo que preferia não encarar diretamente (o resultado de uma tarde escavando tumbas) — aceitou desgostosa o argumento do médico sobre a necessidade de ossos reais em seus estudos, e contanto que não fosse os dela na mesa, poderia lidar com essa peculiaridade. Por fim, notou uma figurinha peculiar sentada ao pé da porta da cabine:

Prisão de GatoWhere stories live. Discover now