Diário de Bordo dos Pierrôs (Loguetown)

47 4 0
                                    

"Nono dia em alto mar.

Como primeiro imediato, não posso dizer que estou cumprindo minha tarefa de relatar cada vírgula de nossa viagem corretamente. Não sei dizer onde estamos, e muito menos que horas são — já não subimos para ver o céu desde que minha capitã, Pieri, decidiu que sua próxima parada seria Loguetown. Não outra ilha mais próxima ou um lugar onde pudéssemos reabastecer; Loguetown e ponto, sem a menor chance de objetar. Nossos suprimentos estão cada vez mais escassos, mas isso não parece motivo o bastante para mudar a rota e ir para um destino mais fácil. Arrisco dizer que, mesmo se essa ilha fosse em outro mar, ainda assim não teríamos a permissão de desembarcar em outro lugar senão lá.

De certa maneira não posso reclamar do destino. Diferente de meus companheiros de viagem, eu não sinto a necessidade de me alimentar, e embora goste mais de ter minhas pernas firmes no chão, por causa da escolha mirabolante de rota ganhei uma generosa aposta. O dinheiro já não me traz tanto prazer quanto traria a um humano, mas observar o sorriso presunçoso do macaco, que mal chegou e acredita comandar, despencar ao chão vale por todas as sensações que já não posso ter. São momentos como esse, de completa vitória, que me dão mais vontade de levantar e existir, em vez de deitar-me nas redes e dormir até estar novamente em terra firme.

O pós morte (ou semi-vida) poderia ser melhor? Sem dúvidas sim. Nunca desejei viajar em um submarino e muito menos esteve em meus planos subordinar-me a uma adolescente com cara de palhaço, contudo a vida prega constantes peças a sujeitos de pouca sorte como eu; e graças a isso me contento com o que tenho. Dane-se a sorte em vida, não há ar ou sangue o suficiente em mim para me importar com tamanha banalidade. Por outro lado, a sorte em jogo é real, e vos asseguro que é mais leal do que pensam. Foi persistente e sozinha venceu a morte, vindo novamente para mim mesmo que não respire mais — se todos fossem assim, longe de preconceitos... Pois bem, se é assim que querem, eu aceito a aposta. A carregarei até o vindouro fim de minha jornada, e continuarei para sempre buscando uma nova forma de me provar.

Quanto minha tarefa de relator, não posso deixar essa página menos entediante. Se meus devaneios quase loucos pela submersão não são o bastante para entretê-lo, paciência, pois não irei me esforçar mais. Estamos a tantos dias perdidos que, se não fosse por esse caderno, não poderia dizer quanto tempo faz que vimos o sol pela última vez — dez dias, um só ou foram apenas algumas horas? O que quer que seja, na presença do circo de horrores que chamo de tripulação só tende a durar mais do que realmente é. Segundo Pieri, iremos atracar amanhã. Isso multiplicado por cada tripulante daqui equivale a sensação de vinte dias sem dormir ou comer. Temo que não tenho controle emocional o bastante para me manter longe dos conflitos até lá, como sempre gosto de fazer.

Sinto-me preguiçoso hoje — isto é, mais que o de costume.

Cordialmente, um Kristian a cada dia mais cansado (e louco)."

O imediato fechou o tinteiro, guardando-o dentro da gaveta na lateral da mesa e segurou o livro aberto em mãos, esperando o tempo necessário para fechá-lo sem borrar as demais páginas — se destruísse aquele, não tinha certeza do quanto demoraria para conseguir outro igual, se é que teria algum dia. Após guardar o estimado objeto, esticou-se na cadeira, soltando um demorado bocejo e torcendo (bizarramente) a coluna para trás, a ponto de ouvir o alto estalo das juntas. Moveu o pescoço e observou os peixes passarem pela escotilha, se perguntando: "Que horas são agora?", embora não tivesse a menor forma de responder aquilo. O tempo se perdia entre as léguas submarinas, uma vez que o sol não era forte o bastante para alcançá-los embaixo (bem lá embaixo).

Era exatamente assim que sua capitã gostava. No silêncio absoluto do oceano, apenas sua voz se destacava — e ela era a estrela daquele show, sem dúvida alguma. Pobres animais marítimos... Tentou fechar os olhos por um momento; o lado bom de estar no fundo do mar era nunca se importar com a hora certa de se deitar. A escuridão lhe instigou ao sono, contudo as costumeiras vozes o atingiram antes de descansar completamente; gritos, guinchos animados e um solavanco horroroso, balançando o submarino inteiro.

Prisão de GatoNơi câu chuyện tồn tại. Hãy khám phá bây giờ