Capítulo III

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Carol, sentada na mesa da varanda, respirou fundo. E respirou fundo de novo. Não entendia qual era a complexidade do assunto. Não é possível que pessoas que passaram anos estudando sejam tão burras assim.

A loira dos olhos castanhos acordou do mesmo jeito que dormira na noite anterior — de saco cheio! Meu Deus do céu, pensou enquanto engolia o café da manhã que fora temperado com uma pitada de impaciência e outra de indignação.

Gattaz estava, há dois meses, enfrentando seu antigo local de trabalho em um processo judicial, cuja acusação era homofobia. Ela e mais uma médica foram demitidas, sem motivo plausível, após serem vistas se beijando em frente ao hospital e fora do horário de serviço.

Esses dois meses foram cheios de dores de cabeça e reuniões maçantes com os advogados de Carol. Esta, que já não aguentava mais escutar jargões jurídicos dos quais não entendia absolutamente nada, resolveu se desligar completamente do processo de acusação e focar somente em achar um novo local de trabalho. Pediu aos advogados que só fosse chamada quando estritamente necessário, ou quando, finalmente, pudesse se indignar publicamente sobre o assunto e soltar sua nota de repúdio ao hospital.

Atendendo às suas ordens, após uma semana e meia de "calmaria" e de muitas horas dentro de salas de cirurgia no Dr. José Guimarães, um de seus advogados ligou-a para avisar que seu depoimento era necessário. Mais uma vez.

— Os "caras" foram homofóbicos. Homofobia é crime. Eles precisam responder por isso. Qual a parte não está em português que ninguém entende? — Nem ela sabia responder à própria pergunta.

O processo já contava com diversos depoimentos, várias testemunhas que estavam presentes — tanto no momento do suposto ato antiprofissional, tanto no momento da demissão — e várias provas de que não era a primeira vez que aquilo acontecia. Por Deus, a carta de demissão, que chegou no e-mail das duas médicas, ao mesmo tempo, estava horrorosa! "Por palavras e ações que não dizem respeito às políticas e normas de conduta desta instituição hospitalar", era o estava escrito.

"Políticas e normas de conduta?" foi o que Gattaz pensou quando leu. Mas, diferente do que ela pensava, a direção falava sério. E ainda tiveram a audácia de mostrar a imagem das câmeras de segurança do hospital, para "justificar e sanar possíveis dúvidas" sobre o que se tratava.

Desde aquele dia, Caroline sentia seu rosto esquentar de raiva toda vez que pensava no assunto. E começar o dia tendo que ir a um fórum, sentar em frente a uma câmera e repetir o que já havia dito inúmeras vezes definitivamente não era bom.

A loira olhou o relógio na parede — oito e meia da manhã. Péssimo dia.

***

Caroline Gattaz viu-se livre de sua equipe de advogados ao meio dia. Estava morrendo de fome, então decidiu parar em um restaurante de comida mineira, que conhecia desde sempre e era um de seus preferidos de Belo Horizonte, antes de dirigir até o hospital.

Embora tivesse o dia de folga, dado por Fernanda — que conhecia Carol dos tempos de faculdade e estava ciente de toda a situação até mesmo antes de contratá-la —, um paciente antigo havia feito contato, dizendo que estava "se mudando", pois não queria perder sua melhor doutora. Então, resolveu que precisava recebê-lo em seu primeiro dia no novo lugar. E assim ela fez.

Chegando lá, deu seu crachá para a identificação diária e pediu um tablet. Solicitou informações sobre o paciente que esperava ver e lhe foi confirmado que ele já estava devidamente acomodado.

Estava conferindo seus prontuários na recepção mesmo, quando Sheilla Castro se aproxima.

— Quanto tempo, hein! — a morena disse com um sorriso. Carol devolveu o gesto.

— Nossa, nem me fale — disse, puxando a amiga em um abraço — E nem tivemos tempo de falar desde que cheguei aqui, né?

Sheilla assentiu. — Tô' tão corrida com meus pacientes ultimamente também que nem te procurei, amiga. Desculpas, viu.

— Eu também tava' muito ocupada tentando não me perder por aqui, então não tem problema — as duas riram. Elas conversaram durante alguns minutos, mas, em algum momento, Carol percebeu que estava falando com uma parede. Sheilla olhava além dela.

— ... e nesse momento eu poderia estar falando de como eu tô' planejando roubar um banco, vestida de palhaço, e depois me jogar de uma ponte que cê' não ia nem ligar, né? — brincou.

— Oi? — disse Sheilla, saindo de seu transe — Foi mal, Carol. Pode falar.

Ao invés de resumir tudo o que havia falado, a loira resolveu acompanhar o olhar da amiga. Achou uma residente, que se lembrava ter o nome de Gabriela Guimarães. Carol riu.

— Já tá' nessa, Sheilla?

— Não é "já" e foi só um beijo — Carol encarou.

— Sim, porque eu te conheci ontem e acredito nisso.

As duas se conheceram quando começaram sua residência, mas separaram-se quando formaram.

— Tá bom, a gente transou uma vez — continuou a ser encarada — algumas vezes, vai.

Carol explodiu numa gargalhada de satisfação.

— Só posso desejar boa sorte. Mas ela parece ser gente boa.

Nessa hora, Gattaz viu Rosamaria passar à esquerda das duas, em direção à rua. Parecia estar indo embora.

— Mas vem cá, o que você acha dessa Rosamaria? — não se conteve e perguntou à Sheilla.

— A residente? — Carol assentiu — Ah, sei lá. Não converso muito, mas ela geralmente trabalha bem quando está comigo. Por que?

— Achei meio detentora da medicina — Castro riu. — Sério, ela discutiu comigo até sobre a quantidade de morfina do coitado que chegou aí outro dia.

— Fiquei sabendo. Mas dizem que existem duas Rosas diferentes.

— Uma vermelha e outra branca? — brincou Carol.

— Uma dentro e fora do hospital, boba — concluiu — Mas vai ver ela só não tava' num dia bom, né.

— Aí, de dias ruins já bastam os meus. Não aguento mais ouvir a voz dos meus advogados.

— Ih, aquela coisa de novo? — Gattaz confirmou — Já, já acaba, amiga. Confia.

— Espero mesmo — pausa — Bom, agora preciso ir ver meus pacientes e dar uma melhorada nesse dia.

Sheilla sorriu. — Vai lá que eu tô' indo é pra casa dormir.

— Sozinha? — Carol provocou.

— Infelizmente! — disse, já passando pelas portas de vidro.

Caroline suspirou. O bate-papo com Sheilla a deixara mais relaxada para, efetivamente, começar seu dia de trabalho. Era sempre bom rever velhos amigos, e Carol estava amando voltar a trabalhar com muitos deles.

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Capítulo mais curto e mais de boa, mas necessário pro futuro.

Como só apareço aqui ano que vem, um Feliz ano novo pra vcs! Que 2022 traga o mundial da sfv! ((deus, por favor

E, uma coisa, a partir de semana que vem, provavelmente, as atualizações vão ficar menos constantes pois a autora que vos escreve é concurseira e só conta com 10 dias de férias.

Não esqueçam a estrelinha, espero que estejam gostando!

The brain's heartNơi câu chuyện tồn tại. Hãy khám phá bây giờ