Capítulo X

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Ainda que estivesse enfrentando um plantão enorme e cheio de problemas, Rosamaria não deixou de ir até o lado de fora do prédio para assistir ao nascer do sol - parecia uma pintura. O silêncio da manhã era uma das coisas que ela mais gostava de presenciar. Alguns poucos carros já estavam nas ruas e ainda menos pedestres andavam pelas calçadas de Belo Horizonte, sentindo o vento fraco proporcionado pelo início de outubro.

Todas as cores primaverís pareciam ainda mais vivas quando eram endossadas pela liberdade - há dois dias Rosamaria, finalmente, se via livre de Caroline Gattaz e toda sua neurocirurgia. Ainda não estava em seu lugar ideal, na cirurgia cardiotorácica, mas trabalhar com Sheilla já era mais agradável. Pelo menos os órgãos tem uma cor menos mórbida, a catarinense pensou.

É claro que não era só por esse motivo que Rosamaria desejava o fim dos vinte dias, talvez esse fosse só o maior deles. Mas, na verdade, tudo com Carol era intenso demais e ela não sabia dizer o porquê. Diariamente lutava contra o impulso de discutir com a médica mais velha, refutando suas decisões e discordando de seus tratamentos, e na maioria das vezes não ganhava. As conversas de tom mais sério eram muito absorvidas, de um modo que ela nunca pensou que pudesse ser. Era tudo muito estranho. Então, mesmo que tivesse que encarar mais alguns rodízios antes de voltar aos serviços da doutora Jaqueline, ficou aliviada.

Dando um gole em seu café e percebendo que seria o último, Rosamaria caminhou de volta ao hospital, jogando o copo em uma lixeira antes de entrar.

O hospital estava mais vazio que o normal esses últimos dias, consequência de um surto de gripe. O que também explicava os plantões de setenta e duas horas que a maioria dos residentes - os que restaram - estavam cumprindo.

Andando pelos corredores, Rosa encontrou Sheilla no caminho para a unidade de tratamento intensivo. A loira apertou os passos, a fim de alcançar a outra e, quando chegou perto, precisou desviar de dois enfermeiros que passaram correndo por ela, fazendo com que ela fosse de encontro às costas da médica. A morena tomou um susto.

- Que susto, meu pai amado! - exclamou, levando as mãos ao coração. Rosa riu.

- Desculpa, quase não deu tempo de sair da frente.

- Tudo bem, tá' perdoada - brincou, com um sorriso tímido.

E com um aceno de cabeça de Rosa, elas voltaram a andar sob um silêncio estranho entre as duas. Rosamaria reparou que Sheilla mexia as mãos e estalava seus dedos sem parar, aparentemente nervosa. Não era a primeira vez que trabalhavam juntas, então Rosa sabia que não era normal e que tinha algo fora do lugar. Desconfiada do motivo e sabendo que de Sheilla não partiria nada, resolveu perguntar.

- Sheilla, você tá bem? - a morena olhou para ela com olhos nervosos que dançavam entre os dois de Rosa.

- É que eu sei que você é muito amiga da Gabriela, ecomcertezaelajádevetertecontado, então, sei lá - disparou. Tão rápido que Rosamaria precisou de alguns segundos para entender o que ela havia dito.

- Ela contou, sim - confirmou - Mas eu sempre torci muito por vocês duas. Sempre gostei de ti e agora, vendo o bem que tu faz pra Gabi, gosto mais ainda - declarou. Sheilla sorriu. - Então, não precisa ficar "sei lá" comigo. Tá' tudo bem - terminou, também com um sorriso.

- Obrigada. Mesmo - Rosa assentiu - Agora acho que podemos ir.

As duas seguiram para a UTI, parando para cumprir o protocolo de segurança em casos de surtos virais - medir suas temperaturas e colocar máscaras descartáveis antes de atender qualquer paciente crítico -.

Chegando lá, tiveram que fazer um procedimento de emergência e abrir o paciente no quarto. Rosamaria sentiu que era o procedimento mais emocionante que ela havia feito em anos. E com anos ela quis dizer vinte dias. Tiveram que levar o paciente para o centro cirúrgico e, o que elas achavam ser simples, tornou-se um procedimento de muitas horas e de alta complexidade.

The brain's heartWhere stories live. Discover now