Capítulo XXVI

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O cheiro mentolado da pomada que Caroline esfregava suavemente sobre o ombro esquerdo mascarava o aroma das torradas no forno conforme a área bezuntada aumentava.

Dois dias depois de tirar a tipóia, as dores ao movimentar o braço eram mínimas. Ainda estava feio, com uma mistura de roxo e amarelo nos locais da batida e como consequência da intervenção médica, além de sensível ao toque, mas nada que não fosse ser resolvido em algumas semanas.

Ela já estava recebendo, por e-mail, algumas atualizações da parte administrativa do hospital. Por mais que tivesse acatado as "ordens" de Fernanda de continuar em casa, a psicóloga concordou que seria melhor, para as duas, se ela fosse tomando ciência das coisas aos poucos. Então, na quinta-feira ela decidiu começar a ler os documentos que estavam esperando-a. Eram, em sua maioria, contratos e atualizações de normas que ela precisava saber. Não seria tão difícil, mas, definitivamente, seria chato.

Terminando de espalhar a pomada, Gattaz desenrolou a toalha branca de seu corpo e vestiu, com cuidado, as peças de roupa que faltavam e, sem se incomodar com a toalha na cama, dirigiu-se à cozinha.

Tirou as torradas do forno e despejou em um prato, apoiando-o em cima da bancada da cozinha. Adicionou os ovos mexidos ao lado e encheu um copo com suco de maracujá, pegou os talheres e sentou-se no banco.

Enquanto comia, recebeu uma ligação de Renata. Sua irmã ligava para ter atualizações sobre a saúde de Caroline e perguntar se podia aparecer para uma visita. Gattaz, prontamente, respondeu que sim e exigiu – sob ameaças de não abrir a porta – a presença de sua afilhada.

Algumas horas mais tarde, batidas foram ouvidas em sua porta. Carol precisou de alguns minutos para atender, pois estava trocando de roupa lentamente, o que fez com que o som abafado voltasse a ressoar. As mãos – era mais de uma pessoa que batia, dava para notar – nervosas não pararam enquanto ela não girou a maçaneta. Do outro lado, Renata carregava uma mochila rosa nas costas e uma criança no colo.

Assim que viu sua madrinha, Alice espalmou as mãos no ar e deu um grito. Carol imitou o gesto, se divertindo com a excitação da afilhada em vê-la.

A pequena esticou os braços na direção de Caroline, pedindo que a madrinha a pegasse no colo, mas a médica murchou.

— Amor, a dinda não pode te pegar no colo ainda — ela disse, arrancando um bico entristecido de Alice. — Vamos entrar e cê' senta comigo, vem.

Renata colocou a menina no chão, que correu para Gattaz logo em seguida, e entrou, fechando a porta atrás de si. — Oi, irmã. Muito bom te ver também.

Caroline ignorou o drama fraternal e levou a afilhada, pela mão, até o sofá. A médica se sentou e colocou Alice sobre suas pernas. A pequena não demorou mais nem um segundo para envolver o pescoço da dinda com seus bracinhos. Os pés, calçados em tênis azuis, balançavam sem parar, tamanha era a sua felicidade.

— A princesinha tava com saudades da dinda, é? — Carol perguntou, assim que elas terminaram o abraço demorado.

— Muita, muita mesmo! — a menina respondeu, esticando o som da letra "u" nas vezes em que repetiu a palavra. — Um tantão assim, ó! — completou, abrindo completamente os braços para representar o que estava querendo dizer. Gattaz riu.

— Meu Deus, quanta saudade! — falou. — Mas vem cá, não era pra senhorita estar na escola, não?

— Caroline — Renata começou. — É dezembro.

— Ih, é verdade — Alice riu. — Esqueci que cê' tá' de férias.

— Cê' tá' doidinha é? — a menina brincou, batendo as pontinhas dos dedos na cabeça de Carol.

The brain's heartWhere stories live. Discover now