Capítulo XXXVI

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Um barulho abafado e incessante de batidas na porta, misturado ao som agudo do interfone, fez com que Caroline montasse uma carranca antes mesmo de abrir os olhos.

O mundo só pode estar acabando, pensou.

Muito a contragosto, a médica retirou as cobertas que a envolviam e jogou as pernas para fora da cama. Ela nunca foi uma daquelas pessoas mal humoradas pela manhã - pelo contrário, sempre gostou dessa parte do dia. Mas ser acordada também não era o seu forte, ainda mais quando envolvia sons irritantes e visitas inesperadas. Por isso, Gattaz não se incomodou em ficar apresentável para descobrir o que estava acontecendo. Enfiou os braços dentro do primeiro roupão que achou em seu quarto e se dirigiu à sala.

No meio do caminho, as batidas na porta cessaram, restando apenas o interfone e sua luz vermelha piscando sem parar. Sem pensar muito, ela atendeu, com a testa franzida em confusão.

— Alô?

— Tem uma entrega pra você, se a senhora fizer o favor de abrir a sua porta — Uma voz masculina diz do outro lado da linha. E só pelo tom de voz ela já sabe que é Nicola: o porteiro mal educado e incoveniente que só trabalha quando bem entende porque tem conhecimentos na diretoria do condomínio. Os moradores fizeram questão de procurar saber porque ele não era demitido, mesmo depois de tantas reclamações de mau atendimento, mas desistiram de tentar fazer alguma coisa depois que dscobriram que ele era descaradamente favorecido. — Aparentemente o motoboy cansou de esperar deixou ai mesmo. Já tô vendo ele aqui em baixo.

— Como assim, meu Deus? Que entrega é essa? — Carol perguntou. Não fazia ideia do que o homem estava falando.

— Eu é que não sei. Não é pra mim — respondeu. — Recomendo que a senhora abra a porta de uma vez. Não queremos que sua mercadoria suma de repente. O condomínio não se responsabiliza por nada disso.

Ele termina a sua sessão diária de incovêniencia e desliga a chamada. Carol coloca o aparelho de volta no gancho e passa as mãos pelo rosto, tentando espantar um pouco do sono e da confusão que está em sua cabeça no momento. Ela realmente não sabe que história é essa de entrega, nem de mercadoria. Não fez nenhuma compra online nos últimos tempos e certamente não esperava nada tão cedo – uma rápida olhada em seu relógio de parede revelava que eram apenas seis e quarenta da manhã. Contrariada e meio receosa, ela foi abrir a porta. E teve uma surpresa.

No assoalho imediatamente em frente ao seu portal, pousava um buquê de flores do campo. A confusão de Carol só aumentou, mas ela resolveu trazer as flores para dentro. Pegou o buquê em mãos e fechou a porta do apartamento.

Enroladas em um papel pardo cuidadosamente dobrado para lá e para cá e envoltas em um laço de fita verde, as flores carregavam um bilhete entre elas. Digitado em um computador, suas poucas palavras foram o suficiente para que Caroline desfizesse a careta que carregava desde que acordou.

Olhei na internet e descobri que velhotas gostam de flores”.

O pedaço de papel não era identificado com nada. Sem nome, telefone ou endereço. Mas a mulher não precisava de nada disso para saber de quem vinha aquilo tudo.

Ela já havia voltado de Uberlândia há, pelo menos, umas duas semanas. É verdade que o carnaval não havia sido exatamente como ela esperava – o desentendimento com Rosamaria deixou as coisas meio engessadas entre as duas durante os dois dias que passaram juntas. Depois que voltou para sua cidade, Carol olhou para o que aconteceu e constatou que talvez tudo tivesse sido meio idiota. Não achava que Rosa tivesse feito o que fez por mal, ou porque não queria ficar com ela. Realmente não achava. E chegou a conclusão de que ela mesma não estava isenta de querer fazer a mesma coisa caso tivessem passado o feriado em Belo Horizonte, então não seria justo crucificar a namorada por isso. Ela foi apresentada, oficialmente, como namorada, afinal. Não é como se ela estivesse escondida, ou fosse uma sombra de relaciomento que mora em outra cidade. E, tudo bem, eles eram pessoas legais, de verdade. O dia da festa, apesar de inesperado, não foi um desperdício, Caroline poderia ter se divertido genuinamente se não estivesse tão brava com a situação. Foi muito bem recebida por todos.

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