Capítulo XXXVIII

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A sensação de estar perdida e sem rumo pós aniversário já era conhecida por Rosamaria. Todos os anos, sem faltar, ela se via meio avoada e com os pensamentos longe de si mesma depois de completar mais um ano de vida, e neste não seria diferente.

Quando era criança, o dia nove de abril era o mais importante de todos. Ela passava os outros trezentos dias do ano pensando em como seria sua próxima festa e quais presentes ela ganharia – se seriam mais legais do que os últimos, se ganharia mais ou menos do que no ano anterior. Era a única preocupação que tinha, então ela pensava que o sentimento estranho que perdurava por umas duas semanas após o dia de seu aniversário se devia à falta de objetivos ou de responsabilidades, que é o comum quando se tem entre zero e doze anos. Mas, conforme os anos foram passando, aquela sensação permaneceu e, ao contrário do que ela pesava que seria, só se intensificou. Rosa ainda gostava de seu aniversário, isso não tinha deixado de acontecer, mas não era uma apreciadora das semanas que o sucediam.

E sem conseguir entender porque ela ainda tinha que lidar com essas sensações super estranhas, mesmo depois de crescer e adquirir responsabilidades reais de gente grande, passsar o seu dia de uma forma que ela não queria só fez com que tudo ficasse ainda pior. Os dez dias que passaram depois do dia nove foram como uma névoa para a catarinense, que não saberia dizer corretamente o que acontecera neles caso alguém a perguntasse. Conversou algumas vezes com Naiane por ligação – que, já sabendo como a amiga estava se sentindo com a situação, fez questão de manter um contato mais frequente – e, quando o assunto surgiu, teve que ouvir que ela estava, na verdade, "sentindo a idade bater na porta". A conclusão arrancou boas risadas da catarinense, que só então parou para pensar que já estava em seus trinta e poucos anos. Rosa não achou que tinha algo a ver com isso, mas não tinha o tempo necessário para parar e analisar isso da forma correta - em terapia, como Naiane fazia questão de insistir. Seus dias tem sido corridos e muito atarefados ultimamente. Quando não está no centro cirúrgico, está sobre papéis de estudo e artigos internacionais lendo e formulando suas próprias teorias. Muitas vezes levava essses papéis para casa e continuava sua pesquisa por lá; raras eram as pausas em que ela se dava o tempo de ligar para sua mãe e conversar com suas amigas e com Caroline.

Carol. Essa era outra coisa que estava estranha nos últimos dez dias. E, mais uma vez, Rosamaria não tinha a mínima ideia do porquê.

A catarinense não tinha muito do que reclamar, é verdade. Ela mesma não estava conseguindo manter o contato como gostaria, mas ela sabia que o silêncio não era um costume de sua namorada. E para uma pessoa que faz questão de preencher todos os espaços possíveis com alguma piada, cantada ou fato curioso sobre neurocirugia - que na cabeça dela era super interessante -, passar um dia inteiro sem mandar uma mensagem era de se chamar atenção. A ausência dos apelidos carinhosos que Caroline insistia em usar com ela também era uma ocorrência expressiva demais para deixar passar. Rosamaria fazia questão de não replicar nenhum deles - Carol estava de bom tamanho -, mas gostava de ouvir. Não contestou quando foi chamada de Rosa pela médica mais velha repetidas vezes, nem quando Gattaz precisou ser perguntada sobre como fora seu dia (ela normalmente era a primeira a compartilhar esse tipo de coisa). Nenhuma foto com Sheilla ou usando sua touquinha ao acabar de sair de uma cirugia, o que era um hábito quase diário entre as duas. Nada disso passou despercebido. Mas ficou por isso mesmo. Rosa assumiu que ela também só estava atolada em procedimentos e trabalhos administrativos do hospital, assim como ela, e não comentou nada sobre. Seria perfeitamente compreensível, afinal.

Se fosse realmente por isso, é claro.

Mas depois de trabalhar feito louca e ficando até quatro horas depois de seu turno no Instituto naquela semana, Rosamaria decidiu ficar um final de semana em casa para se organizar para o próximo mês, que seria ainda mais atribulado e cheio de prazos vindo em sua frente. Estava comendo sorvete diretamente do pote como sobremesa de seu almoço de sábado quando ela resolveu fazer uma vídeo chamada.

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