Capítulo XII

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Inspira. Expira. De volta à posição inicial. Tudo novamente, mais uma vez.

Gattaz estava na sacada de seu quarto, acompanhada de um tapete e de movimentos de ioga. Era uma prática que ela gostava de manter diariamente (ou quase isso); era um momento de paz e tranquilidade que ela muito precisava e que poucas coisas a proporcionavam. Procurava sempre os primeiros horários da manhã ou os últimos da noite – o silêncio a ajudava na concentração e o visual, visto de sua casa, era incrível em ambos os momentos.

Quando terminou sua sessão – que durou um pouco menos de uma hora –, sentou-se no tapete, com as pernas cruzadas, e fitou a paisagem do sol nascente. Havia perdido o sono aquela noite, então levantou da cama antes do dia clarear. Agora, o céu já assumira uma tonalidade rosa e algumas nuvens chegavam para compor o horizonte.

Carol sempre gostou do clima de outubro. É primavera; as ruas sempre ficam mais bonitas, não é frio nem quente – bom, às vezes um dia é muito quente e o outro é muito frio, mas, ainda assim, o mês não é uma coisa só –. E aquele era um dia agradável, fresco e solar.

Tudo isso criava um cenário maravilhoso – talvez traiçoeiro – para que Gattaz caísse em seus pensamentos. E ela pensou. Em tudo.

Em onde estava, para onde foi, para onde pretendia ir. Em suas companhias e em como elas faziam a diferença – e se faziam – em sua vida.

Há menos de seis meses, Caroline estava trabalhando em um hospital que mal a sustentava, que não fazia esforço algum para mantê-la e a demitiu por um motivo que nem mesmo deveria ser um motivo. Convivia com pessoas que, por mais que fossem decentes e até mesmo amigáveis, não eram compatíveis com ela. Ela não era feliz, não do jeito que devia ser. E sabia disso. Mas, em algum momento, as coisas começaram a mudar.

Gattaz, após ser demitida e dar entrada no processo judicial, ficou duas semanas desempregada. Não sabia ao certo o que fazer, nunca havia sido demitida antes – ela era a que decidia quando sair. Chegou a pensar em se mudar. Outro estado, ou até mesmo outro país, para recomeçar e achar seu ritmo. Por isso, quando Fernanda Garay ligou ela não pensou duas vezes antes de aceitar a proposta. Então, ela mudou de hospital. Se reencontrou com a medicina e com velhos amigos. Com Sheilla e Thaisa foi como se nunca tivessem se separado. Com certeza, voltar a trabalhar ao lado de pessoas com quem ela era feliz e podia ser verdadeira era sensacional.

A primeira impressão que ela teve de seu novo local de trabalho foi a melhor possível. O espaço era gigante, se perdeu várias vezes nos primeiros dias (uma vez ela precisou, literalmente, mandar sua localização para Sheilla pelo celular, para que pudesse ser resgatada. Não é algo que ela se orgulhe muito de contar, na verdade). Se deu muito bem com os colegas de trabalho – já conhecia boa parte deles – e ninguém ligava muito para o que era feito fora do hospital. Podia dizer, depois de muito, muito, tempo que estava confortável. Ainda não estava feliz como queria, mas, definitivamente, estava no caminho certo.

Depois de algumas semanas de trabalho, ela deu de cara com o primeiro defeito do hospital. Rosamaria Montibeller. E esse era um baita defeito, de um metro e oitenta e cinco e olhos verdes. 

Tudo bem, o primeiro pensamento de Carol sobre Rosamaria não foi que ela era um completo porre. Ou que ela era pior que um burro empacado. Seria uma mentira dizer que sim. Na verdade, o que ela pensou foi... um metro e oitenta e cinco, cabelos loiros e olhos verdes. Será que pra trabalhar aqui precisa ser lindo assim? É, foi esse o primeiro pensamento. Mas depois que se encontraram profissionalmente pela primeira vez tudo aquilo sumiu em um piscar de olhos. 

Era, sem dúvida alguma, a pior residente que ela já teve. Não porque ela era ruim do tipo que não nasceu para a medicina, mas do tipo que fazia Gattaz ter o desprazer de ensinar. Era péssimo, a mulher não conseguia ficar um minuto sem contestar ninguém. O ego conseguia ser maior que ela, às vezes.

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