Capítulo XVIII

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O estalar da latinha de refrigerante se misturou aos outros sons da padaria enquanto Caroline a abria e despejava o líquido borbulhante em seu copo. 

Ela tomou um gole do refrigerante e começou a colocar para dentro a sua primeira refeição do dia, às seis e meia da manhã. A médica resolveu tomar café da manhã fora de casa, naquele dia, pois precisava de uma mudança de ares. Então, escolheu uma padaria próxima ao hospital para comer alguma coisa e ir trabalhar em seguida.

Enquanto comia, pensou em Ariele e como havia sido uma surpresa infeliz vê-la pelo hospital. Pelo que Gattaz estava percebendo – e conversando com Sheilla – estava sendo bem complicado: Ari teve que passar por uma cirurgia longa e voltar para o centro cirúrgico após uma complicação. Não tinha muitos detalhes sobre o que estava acontecendo e quais seriam os próximos passos, mas Gattaz torcia muito pela paciente. A médica tinha muitos sentimentos em relação a Ariele, mas definitivamente queria que ela se recuperasse.

Toda a história das duas não havia sido fácil. No começo era maravilhoso, uma aventura gostosa de onde nenhuma delas queria um intervalo – se encontravam todos os dias, mal dormiam separadas e sempre se falavam pelo celular. Era, de verdade, muito bom estar com Ariele.

Até que não era mais.

Em algum momento, que Caroline não sabe, ao certo, qual foi, os planos de futuro e as conversas até tarde da noite se afogaram em um mar de desconfiança. Elas continuavam se falando pelo celular, mas, agora, para perguntar onde a outra estava e com quem; a que horas chegariam em casa ou para contestar uma mensagem estranha. Inúmeras traições e brigas que despontavam pelo mínimo suspiro fora do lugar – faltava confiança e sobravam ciúmes. Não havia mais amor ali, apenas o sentimento de posse e duas linhas douradas, brilhando na mão esquerda de cada uma, que pareciam pesar uma tonelada.

Não tinha mais nada de maravilhoso, nem de confortável – doía chegar em casa e se preparar para mais uma briga. Elas sabiam que já não dava mais. Em um lapso de clareza e serenidade no meio de uma discussão acalorada, elas souberam. E como duas mulheres adultas, usaram toda a maturidade guardada (nas gavetas mais fundas que elas tinham) e inutilizada nos últimos anos de casamento, decidiram dormir e conversar na manhã seguinte.

Naquele mesmo dia elas deram entrada no processo do divórcio.

Depois das assinaturas, elas se abraçaram tão forte que perderam o ar. Eram abraços de desculpas. Não resolveriam, nem de longe, anos de feridas e traumas recíprocos, é claro que não. Mas, talvez, determinasse algum senso de fim naquilo tudo.

E deu. Elas terminaram resolvidas (mesmo que as duas estivessem destruídas, não havia sido unilateral – elas sofreram e fizeram sofrer) e cada uma foi para o seu canto. Mas não se esqueceram de uma hora para outra.

E, por isso, era tão confuso ver Ariele atada a fios e presa a uma maca. O fato de que ela namorava com Natália passava despercebido quando posto ao lado da possibilidade de ela não sobreviver àquilo. Agora, mais do que nunca – depois de um relacionamento nada saudável e de anos de reflexão – Carol desejava que Ari tivesse tudo de melhor que a vida pudesse oferecer. Ela era uma mulher incrível e não merecia o que estava passando.

Por isso, sentada no banco em frente ao balcão principal do estabelecimento, Caroline suspirou. Entre um pedaço de sua tapioca e outro, ela ponderou se deveria ou não passar no quarto de sua ex-esposa. Nem que fosse para desejar saúde, ou ver se estava sendo bem atendida – nada que ela não devesse fazer sendo, praticamente, dona do hospital –. Contudo, não sabia como sua visita poderia ser interpretada. Receava que Natália pensasse que ela tinha outras intenções além das mais singelas.

No último pedaço de seu café da manhã, que foi acompanhado pelo líquido escuro e gelado, Carol Gattaz ainda não tinha uma decisão. Mas prometeu a si mesma que pensaria nisso com cuidado ao longo do dia.

The brain's heartWhere stories live. Discover now