4 - Minha maior decepção

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"De boas intenções o inferno está cheio"

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"De boas intenções o inferno está cheio".

Era o que minha mãe dizia quando eu fazia merdas durante a adolescência. Nunca entendi muito bem, só que a porra da frase nunca fez tanto sentido quanto agora.

Fico paralisado diante da cena que encontro. A situação foi de zero a cem muito rápido. Eu definitivamente só queria ajudar. A última coisa que esperava encontrar dentro desse banheiro era Eloá se tocando, completamente inebriada de prazer. Por Deus, parece até mesmo que estou dentro de um filme.

Os olhos da minha prima se reviravam e os gritos ecoavam pela casa. Gritos estes que eu, um mero e bondoso rapaz, jurava que faziam parte de alguma crise de choro. Mesmo não sendo mais próximos, nunca deixaria de ajudá-la. Sempre minto quando afirmo não me importar.

Só que acabei sendo traído pela minha boa vontade e me deparei com essa cena, justamente essa. Devo estar pagando por todos os meus pecados.

O pior é sentir meu corpo querer reagir a esta cena e saber que não pode. Junto ao flagrante, algumas memórias de nossa adolescência começam a surgir, me deixando ainda mais atordoado. Por Deus, que baque inesperado!

Eu literalmente só queria pedir desculpas e conversar, nada além disso.

Não sou um homem de ficar sem atitudes ou palavras. A única pessoa que consegue me deixar assim é Eloá.

Minha prima é a melhor na arte de me tirar dos eixos, principalmente quando decide aprontar uma dessas. Prefiro muito mais odiá-la do que sentir tesão em qualquer atitude sua, porque, porra, é desconcertante, sempre foi.

Nunca soube como agir quando meu corpo reagia ao dela. Eu sempre travo quando o assunto é Eloá.

— VOCÊ VAI FICAR AÍ ME OLHANDO MESMO, SEU TARADO? — Ela grita enquanto tampa as partes íntimas com as mãos, totalmente envergonhada. — ANDA, SAI DAQUI! EU PODERIA MUITO BEM CHAMAR A POLÍCIA, SEU MALUCO! — Ordena e eu obedeço.

— Eu só queria conversar sobre o Natal. — Falo enquanto ando em direção à sala e penso nas coisas mais horrorosas do mundo, com o objetivo de que meu corpo não reaja ao dela. — Só não imaginei que te encontraria assim, possuída. — Sento ao sofá e esfrego o rosto com as mãos, apenas tentando esquecer a cena que insistia em se repetir na minha cabeça.

Pelo meu bem, tento ignorar o fato de que Eloá é uma mulher extremamente atraente.

Consigo ignorar na maioria do tempo, até porque a última que nos envolvemos de alguma forma foi há sete anos, quando ela decidiu me afastar sem qualquer justificativa. Só que tem vezes que não consigo, pois é mais forte que eu.

Então acabo sendo obrigado a transformar o desejo em raiva. Isso porque a mágoa por Eloá ter me deixado igual a um idiota tentando entender o motivo de estar perdendo uma das pessoas mais importantes da minha vida segue intacta. Essa foi a maneira que encontrei para proteger a minha sanidade diante de toda essa merda. Não queria sofrer ainda mais por algo que, mesmo após sete anos, ainda não sei o motivo.

E, pela forma que ela age comigo, continuarei dezenas de outros anos sem saber.

— Eu estava em um momento íntimo, Lucca! — Ela aparece na sala após alguns minutos. Só que, diferente do banheiro, seu corpo está coberto com uma calça de moletom larga e uma blusa slim de manga comprida. — Espero que tenha um motivo muito bom para entrar no meu apartamento assim, sem bater ou fazer qualquer barulho. E se estivesse com alguém? Nossa, você é completamente sem noção! — Eloá me repreende.

— Eu realmente estou muito constrangido por ter te flagrado naquela situação. — É inevitável dar um sorriso de lado ao lembrar do que acabei de presenciar e ela revira os olhos. — Ei, não faz isso. Estou falando sério. — Tento me explicar e ela bufa.

— Você é insuportável, Lucca. O tempo passa e você continua com a mesma maturidade que tinha há sete anos. — Ela esbraveja de braços cruzados. — Fala logo o que tem pra falar e vai embora daqui antes que eu cometa um crime de ódio!

— Eu sinceramente gostaria de entender o porquê de tanto ódio contra mim. — Falo e ela dá uma risada. — Você é tão infantil e egoísta que, sinceramente, quem deveria ter essa raiva injustificável era EU! — Levanto, cruzo os braços e paro de frente para ela. Muito bem, Eloá conseguiu acabar com a minha paciência.

— Infantil e egoísta? EU? — Ela pergunta me fuzilando com os olhos. O melhor é a trilha sonora ao fundo, com "Me Desculpa Jay Z, do Baco Exu do Blues". — Quer saber? Eu nem deveria ter tentado te ouvir. Vá embora, não quero saber de nada sobre Natal e o caralho. — Dá de costas e começa a andar na direção oposta, mas seguro seu braço.

— Não, você vai me ouvir, porque não te vi toda se retorcendo à toa. — Falo e ela paralisa, provavelmente de constrangimento. — Eu vim pedir desculpas, Eloá. Quis te provocar no Natal porque não gostei do que você disse, mas acabei exagerando. Por favor, não deixe de passar o Réveillon com a família por minha causa, leve em consideração a amizade que já tivemos um dia.

Eloá vira na minha direção com um sorriso de escárnio e lágrimas nos olhos. Não entendo o motivo de tanta chateação. Tudo seria tão mais fácil se ela apenas falasse. Só que minha prima tem uma resistência muito grande em resolver os problemas na conversa.

— Se levasse em consideração o que já tivemos um dia, Lucca, não passaria mais nenhum feriado em família. Você é a maior decepção e arrependimento da minha vida. Se pudesse, excluiria do passado a amizade que já tivemos, os beijos que já demos e as carícias que trocamos. Todas as células do meu corpo te odeiam, tenho nojo e ranço só de lembrar das vezes que quase... — Lágrimas começam a escorrer em suas bochechas e ela puxa o braço. Meu coração se aperta em vê-la sofrer, apesar de me sentir muito mal com o que estou ouvindo. — Vá embora daqui! Ninguém mais vai me ver neste ano, me deixe sozinha! Eu te odeio!

— Eloá, eu não consigo entender... — Falo, estático com tudo que acabei de ouvir. Não imaginava que ela me odiasse tanto. Algo que fiz quando tínhamos 17 anos a feriu tanto, só precisava que falasse, para que ao menos me desculpasse.

Ela anda furiosamente até a porta do apartamento, abre e aponta para fora. Seus cabelos loiros estão úmidos em um grande coque no topo da cabeça. As bochechas, que costumam ser pálidas, estão avermelhadas, só não sei se é de raiva ou pelo choro.

— Você não tem que entender absolutamente nada, garoto! Só mete o pé daqui antes que eu chame a polícia e complemente sua ficha criminal com uma nova passagem por invasão de residência e assédio. — Esbraveja seriamente.

Franzo o cenho. Como se já não bastassem as duras palavras que me dirigiu, Eloá ainda tem a capacidade de me ameaçar? O pior é que sei que quando ela está transtornada, é capaz de fazer qualquer coisa.

— Lamento profundamente que tenhamos chegado a este ponto. — Falo andando em direção à saída. — Pensei que aquela merda de tatuagem valia de alguma coisa, ou os momentos que passamos juntos. Mas não passei de um objeto, não é mesmo? Não te dei o que quis, então simplesmente me descartou. Quer saber, Eloá? Foda-se você! Não sei por que depois de tantos anos ainda me incomodo em vir atrás e me desculpar, ou tentar selar algum acordo de paz contigo. Ainda sou babaca de me preocupar contigo, olha que otário!? Mas é isso: FODA-SE! Não quer passar o Réveillon com a família? FODA-SE! O PROBLEMA É SEU! — Dou de costas.

Agora são os meus olhos que estão ardendo e, inevitavelmente, lágrimas começam a escorrer por minhas bochechas. Que merda! Essa mágoa nunca vai passar?

Mas não tem jeito, essa dor vai continuar corroendo minhas entranhas enquanto não entender os motivos da minha prima me odiar tanto. Até lá, todo embate que tivermos terminará assim: mal.

Caralho, Eloá! Por que fez isso comigo? Logo eu, seu melhor amigo?

***

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