52 - Nosso milagre

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Abro os olhos vagarosamente e noto uma intensa movimentação ao meu redor

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Abro os olhos vagarosamente e noto uma intensa movimentação ao meu redor. Olho para os lados e percebo que, mais uma vez, não sei onde estou. Essa sensação de não ter controle sobre mim mesma está começando a me irritar.

Respiro fundo. Por mais que odeie essa ideia, espero estar no hospital, e não no limbo, aguardando o julgamento para saber se vou para o céu ou para o inferno; caso contrário, vou ficar muito, muito puta.

Forço a visão e sinto uma dor de cabeça lancinante. Tudo está um pouco turvo e em câmera lenta, mas consigo entender que, felizmente, estou viva e novamente em um quarto de hospital.

Abro a boca para questionar o que está acontecendo para alguém; afinal, a última coisa de que me lembro é de estar ao lado de Lucca, dizendo-lhe que o mesmo é o pai da nossa filha. Mas sinto minha garganta seca. Simplesmente não há voz para sair.

Nossa filha... Memórias fracas surgem em minha mente de sangue escorrendo pelas minhas pernas e uma sensação ruim toma conta do meu corpo. Será que Estela ainda está resguardada em meu ventre? O obstetra havia explicado que minha gravidez é de risco e que eu não poderia passar por estresses extremos, caso contrário, poderia perder o bebê. Estar aqui não é um bom sinal.

Minha mente é tomada por pensamentos ruins quando uma mulher para à minha frente e sorri pacificamente.

— Finalmente acordou. Isso é ótimo, você dormiu por muito tempo, Eloá. — Fala enquanto acaricia meu cabelo. Ela parecia genuinamente feliz por isso.

Solto um gemido em resposta, confusa. Quero entender o que está acontecendo; só que essa mulher falando em códigos agora não vai ajudar. Dormi por muito tempo? De que merda ela está falando? Que porra está rolando? Meu Deus, eu quero a minha mãe!

— Ei, acalme-se, você não pode se agitar assim, querida. Os remédios ainda estão fazendo efeito sob seu corpo. — Ela fala docilmente e eu paro de me movimentar. — Seu coração voltou a bater há algumas horas. Por pouco não nos deixou. Estamos muito orgulhosos de você; batalhou com todas as suas forças e venceu. É uma verdadeira guerreira. — Explica a mulher. Encaro melhor sua roupa e percebo que se trata de uma enfermeira.

Respiro fundo, ainda mais nervosa. Sei que estava tentando ajudar, contudo, cada palavra que saía de sua boca me deixava ainda mais nervosa. Por fim, vejo o médico entrando no quarto.

— Ah, você acordou! — Ele faz uma anotação na prancheta que tem em mãos. — Isso é muito bom, um grande avanço. Inesperado, para falar a verdade.

O médico dá alguns passos na minha direção e para ao meu lado.

— Querida, você é o nosso milagre. Acredita em alguma divindade? — Assinto com a cabeça e ele sorri. — Então agradeça em suas orações todos os dias. Em circunstâncias normais, infelizmente teríamos te perdido logo no primeiro dia.

Reúno todas as forças que tenho no corpo para questionar a única coisa que quero saber. Não me importo com o que aconteceu naquele dia para me fazer parar aqui novamente, nem se quase morri. Apenas quero saber da minha filha.

— A bebê... — Balbucio e o médico franze a testa, lançando um olhar repreensivo à enfermeira.

— Não conversou com ela? — Pergunta com tom sério e a mulher se retrai.

— Ainda não tivemos tempo, doutor. — Ele respira fundo e coça a nuca. A enfermeira se afasta.

Automaticamente sei que a resposta é a mais dolorosa possível. Fecho os olhos e sinto lágrimas descendo. O médico percebe meu estado e senta-se na poltrona ao meu lado.

— Sei que é extremamente complicado passar por isso agora, Eloá. Mas quero que saiba que é muito difícil resistir pelo que passou. Você teve um descolamento de placenta prematuro gravíssimo, o que, em si, já é arriscado para a mãe. Não foi como o primeiro, que teve como controlar. Esse último infelizmente culminou em um aborto. — O doutor faz uma pausa para que eu possa digerir a informação.

Realmente, muito difícil ouvir essas coisas. A vontade que sinto é de gritar, espernear e sair correndo daqui. Definitivamente uma sensação que não desejo a ninguém. Tenho meus pensamentos cortados quando ele volta a falar.

— Só que, após a retirada do feto, você desenvolveu uma infecção generalizada. Foi uma batalha contra o tempo. Tanto sua, como nossa. Você ficou em coma por sete dias e teve uma parada cardíaca hoje mais cedo. Surpreendentemente, acordou algumas horas após voltar à vida. — Ele respira fundo, demonstrando cansaço. — Foi muito grave.

Arregalo os olhos e, antes de me deixar refletir sobre a situação, o doutor conclui.

— E também conseguimos preservar seu útero, apesar de muita dificuldade. Futuramente, com acompanhamento e muito repouso, você poderá ser mamãe. — Ele sorri e eu apenas viro o rosto para o teto, quieta.

Fico reflexiva e grata com tudo o que acabei de ouvir, por pior que a dor do luto materno seja. Literalmente, uma experiência de quase morte. Jamais esperaria passar por algo do tipo, ainda mais tendo estresse como motivação principal. De todos ao meu redor, sempre fui a mais calma.

Tudo isso porque a Eloá do ano passado queria adotar uma nova personalidade após o Réveillon. O preço que se paga para ser quem não é vai além do que imaginava. Realmente é muito, muito caro. Não vale a pena. Nunca valerá. Literalmente quase paguei com a própria vida. Está aí uma lição que vou levar para sempre. Pelo menos poderei ser mãe no futuro, ou seja, nem tudo está perdido.

De qualquer forma, será difícil superar essa situação. Mas sinto que, por mais que tudo isso seja uma merda do caralho, pelo menos tenho a minha família ao meu lado. Esse fator melhora bastante meu estado.

Sem contar que esta é a minha chance de fazer tudo diferente. De agir certo. De dizer "eu te amo" àquele com quem fui a minha pior versão desde o início. Nossa, Lucca deve estar despedaçado. Assim como eu, ele preza muito pela família, então a perda desse bebê deve tê-lo machucado demais. Queria poder abraçá-lo agora.

E nem tivemos tempo de comemorar. Não pudemos festejar nossa breve, porém extremamente querida, gravidez.

— Então, Eloá... — O médico chama a minha atenção, me trazendo para o mundo real novamente. — Aos poucos o efeito dos remédios vai cessar e você conseguirá se comunicar melhor. Deve demorar cerca de trinta minutos. Após esse tempo, quer receber a visita dos seus familiares? Eles estão ansiosos na recepção querendo vê-la.

Viro o rosto na direção do doutor e balanço a cabeça positivamente. Óbvio que quero vê-los, devem estar tão preocupados. Pelo menos o pior já passou. Isso que importa.

Agora mal posso esperar para revê-los. Lucca então, nem se fala. Temos muito o que conversar.


Segundas Intenções ✔️Where stories live. Discover now