55 - Pétalas de rosa indicam o caminho

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Demorei, mas saí do hospital

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Demorei, mas saí do hospital. Nossa Senhora, é muito bom respirar o ar livre, mesmo que esteja misturado à poluição do meio ambiente. Muito melhor do que ficar trancada naquele quarto sentindo cheiro de remédio e soro.

Um mês internada. Estava ficando louca. Contudo, dadas as circunstâncias, de acordo com o médico, até que foi pouco tempo. Sinceramente? Não quero nem imaginar o que é muito na cabeça dele. Sei que 30 dias, mais a semana que passei em coma, é tempo pra caramba na minha concepção.

Mas foda-se, o que importa é que estou tomando banho no meu chuveiro, sozinha. Quer dizer, quase sozinha. Minha mãe insistiu para que Lúcia ficasse me aguardando do lado de fora do boxe, pela minha segurança. Não me importei, de qualquer forma. Até porque, a água quente escorrendo pelo meu corpo me traz uma sensação de paz indescritível. É como se tirasse todo o resquício de energia ruim que sobrou do relacionamento de merda que tive com Jonas.

É incrível como a baixa autoestima nos faz aceitar pouca coisa. Mas não gosto de lembrar desse bostinha. Apesar de saber do meu estado gravíssimo - provocado por ele - ainda teve a audácia de ficar mandando mensagens pelo celular depois que dispertei do coma. Nem me dei ao trabalho de lê-las. Apenas apaguei e o bloqueei. Agora, de todo coração, espero nunca mais vê-lo. Caso contrário, é capaz de gastar meu réu primário. E não estou exagerando.

Mas hoje é dia de comemorar. É uma data que ficará marcada como meu retorno à realidade. E, diferente do que minha família costuma realizar em momentos festivos, combinamos de preparar um almoço no meu apartamento.

Nem precisei insistir, já que da última vez deu a merda que deu. Segundo o meu pai, "as coisas têm que acontecer no meu tempo, pois quem perdeu o bebê fui eu, e a família precisa respeitar os meus traumas".

— Você vai demorar muito aí? — Lúcia me tira do meu mundo particular e eu reviro os olhos irritada. — Estou com fome.

— Esse é o meu primeiro banho em casa depois de semanas. Larga de ser chata. Tem que agradecer de não estar te obrigando a passar a bucha nas minhas costas. — Debocho e ela ri.

— Isso é função do seu noivo. — Ela cochicha a última palavra. Viro o corpo nu na direção dela, que tampa os olhos apesar do boxe estar fechado. — Vira de volta, detalhes demais! Detalhes demais!

Solto uma risadinha e balanço a cabeça negativa. Essa garota é uma comédia mesmo. Por fim, viro de costas novamente e falo.

— Até solicitaria, mas o querido não deu as caras hoje, mesmo sabendo que minha alta médica sairia cedinho. — Falo emburrada. — Espero que Lucca tenha um bom motivo para isso, caso contrário o obrigarei a fazer massagem no meu pé logo após a academia durante um mês. Antes do banho.

Minha prima não se contém e solta uma gargalhada sincera. Viro o rosto em sua direção e arqueio uma das sobrancelhas.

— Estou falando sério, Lúcia. O combinado era que hoje conversaríamos sobre nossa pretensão de se casar com a família. Sem contar que ele já está com erro por conta do sexo com a Clara. — Respiro fundo e viro totalmente de costas para ela novamente. — Sei que ele tem ficado ocupado com a empresa porque esteve muito tempo afastado e tudo mais, entretanto, hoje é um dia especial que precisava de seu apoio.

— Primeiro: ele estava solteiro quando transou com aquela maluca, então, por mais reprove totalmente a atitude, não acho que deva ficar puta com Lucca por isso. — Declara e eu reviro os olhos com a intromissão. Minha família é foda, todos querem opinar em tudo. — E, segundo: não tire conclusões precipitadas, Eloá. — Lúcia rebate com tom travesso. — Jamais julgue antes de saber.

Desligo o chuveiro e viro o corpo nu na direção dela novamente, que tampa os olhos com o braço mais uma vez.

— Você está sabendo de algo que não sei. — Chego à conclusão e ela ri, tateando a porta em busca da maçaneta. — Fala agora.

— Eu não sei de nada. Vai se arrumar logo, seu banho já demorou demais. Agora que terminou, já posso sair daqui, graças a Deus. Estou cheia de fome. — Após alguns segundos procurando a maçaneta, ela encontra e sai.

Sem dúvidas esses dois estão aprontando algo. Isso me conforta, pois indica que Lucca não é um desnaturado e me deixou na mão justamente hoje. Só espero que não seja alguma besteira, pois, por mais que não esteja mais grávida, o médico afirmou que, devido à gravidade do que passei, é preferível evitar situações de estresse.

Sigo em direção ao meu quarto, seco o cabelo e escolho um vestido amarelo florido e um tamanquinho branco. Passo uma maquiagem leve, porque minhas olheiras ainda estão bastante evidentes e a última coisa que quero transparecer para meus familiares hoje é não estar bem. Por fim, depois que termino de me arrumar, vou até a sala, mas encontro apenas minha avó, que está com um sorriso extremamente travesso no rosto.

— O que a senhora está aprontando? Cadê o restante da família? — Questiono e ela dá uma risadinha enquanto esfrega as mãos.

— Nada, minha linda. — Ela ri. — Todos estão te esperando na área de lazer do prédio. Resolveram fazer um churrasco ao ar livre de última hora, veja que coisa. — Se faz de sonsa e eu cruzo os braços.

— Devo trocar de roupa, vó? — pergunto, e ela sacode a cabeça negativamente. Ela continua me encarando e eu arqueio uma sobrancelha, curiosa. — Deus me colocou em uma família muito estranha, mas não vou reclamar. — Dou de ombros, já preparada para receber uma bengalada, mas sou surpreendida por uma gargalhada.

— Não é à toa que você veio assim, né, minha netinha? — Ela caçoa da minha cara e anda em direção à saída do meu apartamento. — Vamos? Todos estão muito ansiosos por você, minha querida. Vá por mim, todos estão muito ansiosos.

— A senhora está começando a me deixar nervosa, vó! — Repreendo, e ela segura minha mão.

— Quando foi que te meti em confusões, Eloá? — pergunta, e eu ensaio respondê-la, mas a mesma coloca o dedo indicador na boca. — É melhor não responder, minha filha. Vovó sabe que vez ou outra acaba te envolvendo em furadas, mas o que é a vida sem uma dose extra de adrenalina, não? Mas essa é uma discussão para outro momento, querida! Vamos, o elevador está aberto nos esperando. — Ela aponta e caminha naquela direção. Faço o mesmo.

Assim que entramos no pequeno espaço, aperto o botão do térreo e a porta do cubículo se fecha. Geralmente, a música que soa é a tradicional de elevador. Nesses anos que moro aqui, o som nunca mudou. Entretanto, hoje, justamente HOJE, está tocando a melodia de "Samba in Paris", de Baco Exu do Blues.

Estranho a situação, mas não falo nada, pois preciso lidar com os olhares travessos da minha avó. Quem vê, nem pensa que se trata de uma idosa de 71 anos. Está mais para uma pré-adolescente de 13.

Quando estava prestes a perguntar o motivo de me olhar daquele jeito novamente, a porta do elevador finalmente se abre, dando espaço ao hall do prédio, que estava repleto de pétalas, variadas nas cores rosa e vermelha.

Encaro minha avó, que, ao observar meus olhos arregalados e boca entreaberta devido à surpresa, bate palmas e comemora.

— Sangue de Jesus tem poder, eu estou muito velha para passar por esse tipo de nervosismo! — minha avó ri e aponta para as pétalas. — Segue o caminho até a área de lazer, querida. Muitas coisas acontecerão no dia de hoje. Muitas coisas que você merece. — Ela sorri e eu assinto, segurando sua mão e dando um passo à frente. Minha avó prontamente me acompanha, tão ansiosa quanto eu.

Segundas Intenções ✔️Where stories live. Discover now