Capítulo 42 - Medo de mim, medo de você, de tudo o que pode acontecer

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Durante os anos vividos na Inglaterra, quando ainda era um adolescente em início de carreira profissional, Martín fez uma grande amizade com uma peculiar senhorinha inglesa vendedora de artefatos históricos sobre o futebol; a primeira pessoa que demonstrara, àquela época, ter a plena capacidade para entender e derrubar os muros levantados pelo argentino contra o resto do mundo.

Uma amizade que perdurava até os dias de hoje por meio de mensagens trocadas ocasionalmente, apesar de Martín seguir firme em seu propósito implícito de gradualmente se afastar das pessoas que se importavam com ele, por este ou por aquele motivo logicamente e suficientemente convincente para a frieza de seus pensamentos complexos.

Sentado na cama daquele belíssimo e aconchegante quarto, naquela belíssima e aconchegante Ilha, enquanto lia atônito diversas páginas de fofocas na internet (do noticiário que Luciano tanto o questionava sobre não lê-lo), Martín se lembrou daquela senhora.

Lembrou-se da forma com que ela costumava falar em metáforas e alegorias, como se fosse uma grande sábia que nunca quisesse dizer o que realmente pensava, mas, ao mesmo tempo, era bondosa o suficiente para explicar logo em seguida exatamente sobre o quê falava, para um Martín que, à época, tinha ainda mais dificuldades em compreender as entrelinhas dos diálogos humanos.

Lembrou-se de certa vez em que ela lhe disse que coisas ruins sempre acontecem em trio. Se algum acontecimento o aborrecia, então o jovem Martín poderia esperar que outros dois infortúnios se sucederiam. Mas ele poderia, também, alegrar-se: era certo que após este tipo de tempestade, uma grande alegria tomaria o lugar de toda a confusão.

Martín concluiu que duas adversidades já se instalavam, ali, no prazo de menos de vinte e quatro horas.

A primeira delas foi percebida pelo argentino ainda na noite anterior.

Luciano estava começando a ser acometido por uma tosse inquietante. Durante a conversa descontraída que eles compartilharam, Martín achou que aquela tosse era causada pelos risos abertos e alegres dados às lembranças de infância.

Mas quando eles finalmente adormeceram, o brasileiro teve uma noite de sono bastante ruim e constantemente interrompida por essa tosse.

O argentino já imaginava que um deles acabaria doente, em algum momento, durante aquela viagem. Era algo que sempre acontecia considerando-se a troca repentina de clima, posto que o tropicalismo da Tailândia não se comparava ao da América Latina – a Ilha era muito mais quente e úmida.

Aparentemente, o escolhido para pegar uma doença – uma provável gripe – foi Luciano, o que preocupou Martín um pouco mais em face dos já frágeis ânimos do moreno.

E o segundo dos supostos três infortúnios acontecia pouco antes de os dois homens se sentarem para o brunch combinado, depois dos exercícios físicos feitos naquela manhã – na figura daquelas inúmeras notícias e fofocas publicadas sobre a vida amorosa de Luciano nos últimos seis ou sete anos, que Martín estava lendo enquanto aguardava o brasileiro sair do banho, e que pareciam só confirmar os rumores escutados e as desconfianças nutridas pelo argentino por quase uma década.

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Quando eles acordaram naquela manhã, Martín já tinha se esquecido da sensação de preeminência de um desastre sentida no meio da preocupação com a tosse do brasileiro, e ainda estava alheio às fofocas que leria em algumas horas num ímpeto de curiosidade. O argentino sentia-se bastante animado com a perspectiva de conseguir colocar o outro homem sob seus cuidados físicos, pensando que isso poderia ajudá-lo até mesmo a evitar uma gripe mais grave.

— Eu estou tentando muito não te julgar, Luciano, mas te vendo sofrer assim por causa de meia horinha de musculação é... inacreditável, pra dizer o mínimo.

Private Dreams (BraArg) (PT-BR)Onde histórias criam vida. Descubra agora