Capítulo 43 - Por favor, chuva ruim, não molhe mais o meu amor assim

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Eram quase sete horas da noite quando Martín se deu conta de que o dia tinha passado.

O argentino permaneceu no quarto desde o momento em que Luciano saíra, e Martín poderia jurar que permanecera, também, na mesmíssima posição, se não fosse o fato de que em determinados pontos do dia, o loiro se auto-percebera levantando da cama, apenas para se sentar novamente em seguida, se levantar de novo, andar de um lado para o outro, e se jogar na cama mais uma vez.

O choro foi e voltou algumas vezes, e Martín não soube dizer quais foram as motivações exatas para as viagens daquelas lágrimas, já que sua mente não parou um segundo sequer de pensar sobre tudo.

Sobre absolutamente tudo.

Num primeiro momento, o argentino achou que sua cabeça literalmente explodiria, porque as lembranças de uma vida inteira (e as emoções que vinham com elas) o atacaram com uma agressividade tenaz. E a primeira coisa que Martín conseguiu retirar de todas essas sensações, foi a noção de que Luciano estava certo – o argentino realmente se sentia voltando a ter trejeitos de quando era apenas um adolescente em formação.

O costume e reflexo de chorar incansavelmente, que Martín acreditava ter superado depois de muito tempo treinando mente e corpo para não se afogarem em lágrimas nos momentos de fortes emoções, quaisquer que fossem, havia voltado. A terrível incapacidade de reagir aos acontecimentos, que Martín também achou ter superado (ainda que em partes) nos últimos anos de sua vida, claramente o acompanhava como parte indissociável de sua personalidade.

E por várias vezes, durante o dia, os seus pensamentos tomaram formas e figuras como costumava acontecer em seus anos de infância e adolescência. Ao pensar (e repensar, e pensar de novo) sobre tudo o que estava acontecendo com ele, com Luciano e com o brasileiro no futebol, Martín viu surgir em sua mente uma figura que parecia ter saído de um livro infantil ilustrado.

Era assim que o argentino costumava tentar fazer sentido das coisas que ele não entendia (que eram quase tudo, na verdade), desde a mais tenra idade. Sua mente formulava imagens que ora beiravam ilustrações para crianças, ora eram verdadeiros gráficos complexos e que gradativamente tinham sua compreensão facilitada quando as figuras surgiam e lhe pintavam as cenas como elas realmente eram.

Uma dessas figuras, naquela tarde, serviu de resumo para a mente inconstante e atribulada do argentino. Martín se viu, ao lado de Luciano, e os dois estavam unidos por um fio de ferro, que também os unia ao futebol representado por um grande estádio que os mantinha de pé.

Mas por toda parte, aquele ferro estava corroído. A parte do ferro que o unia a Luciano parecia tão fraca, que uma martelada um pouco mais forte o quebraria com facilidade. E a parte que unia o brasileiro ao futebol estava ainda mais por um fio de ver-se rompida.

Se essas duas rupturas acontecessem, Martín não sobreviveria, e ele soube disso sem precisar pensar muito, miraculosamente. Não existia um mundo concebível no qual o futebol se sustentasse sem a presença de Luciano, e não existia um mundo concebível no qual Martín se sustentasse no futebol sem o brasileiro.

Não era uma situação de codependência, Martín tentou racionalizar. Assim não o era, porque se os dois homens simplesmente decidissem por um ponto final em tudo – na relação e no futebol – eles simplesmente seguiriam em frente.

Sofreriam mais do que o normal, sim, mas de um jeito ou de outro, seguiriam em frente.

Era uma situação ditada pela mais pura lógica, porque a vida do argentino estava cercada de razões que o faziam chegar à conclusão de que o verdadeiro equilíbrio na existência dos dois homens dependia da harmonia destes três fatores.

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