Capítulo 62 - Faço por nós dois, penso no depois

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— Luciano... Você acha difícil lidar comigo?

Martín perguntou já sabendo a exata reação que o brasileiro teria ao questionamento.

O argentino tinha voltado a se sentar em sua própria cadeira, e achava que Luciano parecia incomodado e inquieto demais, como se não conseguisse entender a expectativa do que é que Martín tinha para falar.

Mas à pergunta do loiro, Luciano riu – exatamente do jeitinho que Martín achou que ele iria rir.

Baixinho, de lado, meio cínico como se quisesse responder com alguma gracinha; meio preocupado porque não compreendia a razão daquela pergunta.

— Defina difícil, meu amor – o moreno disse, coçando o queixo e tentando esconder a ansiedade que transparecia naquele sorriso. — Porque eu acho que talvez tu tenha entendido algo diferente do que eu realmente quero dizer quando digo que tu é difícil.

— Não, não é sobre o que você diz. Não exatamente – Martín respondeu, e o argentino não se autopercebia em sua própria inquietude enquanto esfregava as mãos uma na outra, apenas para apertar os próprios joelhos com elas, e subi-las roçando-as nas coxas como se quisesse secar um suor de nervosismo que não existia. — É sobre a realidade mesmo. Sobre o fato de que eu sou difícil. Mas só eu sei que isso tem um significado diferente, totalmente diferente do que você está pensando. Só eu sei...

Martín levantou as duas mãos para ajeitar os fios dourados e cada vez mais longos que caíam sobre sua testa, jogando-os para trás com força exagerada, fazendo uma pausa com as mãos na cabeça e fechando os olhos enquanto tentava se decidir sobre a melhor forma de tratar de um assunto que lhe parecia simplesmente irreal – porque era uma parte de sua vida que nunca tinha sido resgatada das profundezas nas quais ele enterrava tudo o que dizia respeito a si mesmo.

Toda a essência de quem Martín era – do que (ou de quem) ele gostava e ninguém sabia, de como era sua personalidade e ninguém tinha conhecimento sobre ela porque ele não deixava – permanecera enterrada por anos dentro dele, sob uma superfície que servia de palco para que as vozes de sua consciência dançassem ali, o zombando, o desafiando, mas dando-lhe uma sensação de falsa segurança porque faziam com que o argentino escolhesse os caminhos supostamente mais seguros para a sua vida.

Os caminhos para longe de Luciano.

Os caminhos para longe das razões e das emoções que fizessem mais sentido.

Os caminhos para longe dos porquês que provavelmente doeriam quando fossem compreendidos, antes de, enfim, servirem de acalento.

Só com o terceiro "Martín?" saído da voz de Luciano é que o argentino abriu os olhos e de fato o escutou.

— Martín... – Luciano se repetiu, com a voz tão suave que parecia falar com uma criança. — O que foi, meu bem? É sobre alguma coisa que eu te disse durante alguma briga idiota nossa? Pra tu tá me perguntando se eu te acho difícil, eu... Eu disse alguma coisa durante esses anos que te machucou? Nesse sentido?

A suavidade da voz do moreno deu lugar à preocupação.

Martín encarou o brasileiro por quase um minuto antes de finalmente voltar a falar, e só o fez porque Luciano demonstrou querer se levantar da cadeira para ir na direção do argentino e, muito provavelmente, abraçá-lo.

Mas o loiro sabia que se ele sentisse o toque das mãos de Luciano naquele instante, perderia toda e qualquer ínfima coragem de falar.

— Tanta coisa... Luciano, é tanta coisa sobre tudo isso, que eu não sei nem por onde começar... – Martín roçou os dois pulsos nas próprias têmporas, sentindo que quando explodisse a dor de cabeça que o ameaçava, ele não conseguiria aguentá-la. Mas o argentino notou a reação de seu corpo pela primeira vez nos últimos minutos, quando seus lábios se abriram num sorriso frio e desanimador. — O que exatamente seria difícil em mim, pra você? Meu jeito inflexível e que beira à ignorância? O jeito que às vezes eu demoro muito pra entender certas coisas? A forma com que eu simplesmente não consigo assimilar alguns sentimentos? Tudo isso, talvez? E mais um pouco, não é?

Private Dreams (BraArg) (PT-BR)Where stories live. Discover now