Capítulo 57 - Eu só não posso mais me ver assim, eu perdi o medo da chuva

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Não se recordando de quem lhe dissera isso anos atrás, Martín pensou que, realmente, havia algo de verdadeiro na ideia de que as pessoas com os corações e as mentes mais puras conseguem ter mais tranquilidade durante o sono.

O argentino pensava nisso enquanto olhava Mai ainda dormindo na cama, e o brasileiro igualmente adormecido no colchão ao chão – ambos com expressões de extrema serenidade em seus rostos.

Eram oito horas da manhã, e Martín optou por sair para caminhar ou correr já que despertara cedo demais, apesar de não tão cedo quanto Luna, que ainda estava nitidamente ansiosa com toda aquela situação.

— Você pode avisar a Luciano que eu sai pra me exercitar um pouco, Luna? Por favor – Martín pediu à tailandesa; pegando uma maçã da mesa e gesticulando, na direção das comidas postas no móvel, para que a jovem se sentasse e tomasse um café da manhã. — Não devo demorar muito, mas é só pra que ele saiba o que eu fui fazer.

A moça disse prontamente que sim, e fez uma reverência de despedida, à que Martín a respondeu.

A manhã daquele dia estava mais fresca do que às dos dias anteriores, e Martín achou que algumas nuvens ameaçavam a ilha com trombadas de chuvas esparsas para a tarde.

O argentino inspirou e expirou algumas vezes enquanto punha-se a caminhar com mais pressa, refletindo sobre não querer fazer reflexões demais naquele momento – e rindo de si mesmo pela decisão paradoxalmente tomada enquanto já pensava em excesso sobre tudo.

Mas havia algo de diferente na forma com que os pensamentos de Martín povoavam sua mente.

A desordem era a mesma. A quantidade exagerada de reflexões que queriam uma falar mais alta do que a outra também.

A diferença, no entanto, era que Martín parecia não mais sentir tanta dor, no sentido mais físico da palavra, enquanto pensava demais.

O peito do argentino não doía (não de tanto pensar), como geralmente acontecia.

Não lhe faltava ar. Ele não sentia necessidade de se autoagredir levemente com os punhos nas próprias têmporas, na tentativa de acalmar sua própria mente como se consertasse uma televisão sem sintonia.

Ainda lhe era incômodo pensar tanto, é claro que seria, e Martín sabia disso.

Mas de certa forma, havia agora uma sensação de controle sobre calar seus próprios pensamentos quando ele bem quisesse, sem dificuldades – uma sensação que Martín nunca experimentara em toda a sua vida.

Para além disso, o loiro notou que seus neurônios pareciam bem mais focados nos acontecimentos mais aconchegantes dos últimos dias, do que em todas as neuroses de uma vida inteira e que sempre o acompanharam de perto.

Martín não conseguia parar de pensar no quão contente ele se sentia por estar contribuindo com a felicidade de Luciano. E se algum pensamento intrusivo quisesse acusá-lo de estar caminhando mais rápido do que suas pernas aguentavam, a lembrança do sorriso do brasileiro simplesmente queimava tal intromissão.

Martín não conseguia parar de pensar no quão completo ele se sentira nos últimos dias; uma completude que geralmente não fazia tanto sentido assim, mas que agora lhe parecia ser óbvia e ideal. E quando sua mente queria lhe pregar uma peça, afirmando que tal plenitude não fazia sentido porque não havia sentido mesmo em ver-se completo em outro homem (e por outro homem), o argentino apegava-se às lembranças dos braços fortes do moreno prendendo-o calorosamente numa dança qualquer.

O corpo de Martín parecia não reclamar dos dias de sedentarismo forçado, nos quais o único exercício físico que o argentino se auto-propiciara foi o mais puramente sexo agressivo. Mas o loiro teve de parar por alguns minutos depois de repetir o ato de caminhar, e correr, e voltar a caminhar sem rumo.

Private Dreams (BraArg) (PT-BR)Onde histórias criam vida. Descubra agora