Capítulo 63 - Sou teu companheiro pra subir montanhas, voar teu voo

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Se horas atrás Martín achava que Luciano não exibia mais a meninice de tempos passados, naquele instante, enquanto observava o moreno sentado à mesa para ler e espreguiçando pesadamente toda a sua corpulência adulta, o argentino conseguia enxergar o Luciano de dezesseis anos de idade que estudava contrariado (quando não se negava por completo a estudar) para as provas especiais do ensino médio, na Inglaterra.

Por quase três horas, Luciano permaneceu sentado, mais compenetrado do que Martín achou que ele ficaria com aquele tipo de leitura tida como entediante. Mas o brasileiro não moveu um músculo para longe da cadeira.

Espreguiçava-se de minuto em minuto, esticava as pernas, as dobrava para colocar os pés em cima da cadeira (e, depois, em cima da mesa, segurando o tablet junto do peito). Luciano suspirava e gemia quando seus músculos claramente reclamavam daquela quietude toda – já que o brasileiro, esportista de nascença e sem saber o que seria se não fosse do esporte, era dono de uma personalidade que desconhecia o significado de passar tempo demais parado numa única atividade.

Mais uma vez Martín teve a impressão de que os dois trocavam de papel naquele momento, porque era o argentino quem se encontrava preso numa inquietação irritante. Quando se autopercebeu andando de um lado para o outro dentro do quarto, recebendo olhares furtivos do brasileiro, Martín temeu estar atrapalhando a leitura de Luciano e optou por levar aquele caminhar descompassado para fora do cômodo.

O olhar de Luciano seguiu a saída do argentino, e Martín poderia jurar que havia ali um pedido silencioso para que o loiro não deixasse aquele quarto, mas ambos os rapazes sabiam que Luciano requeria um esforço maior para não desligar sua própria atenção dos artigos que lia – e, por isso, o moreno sequer tentou esboçar mais do que um mero "por-favor-não-vá" dito rapidamente com os olhos.

Martín teve de conter um julgamento questionador e tolo, uma implicância típica dos tempos de adolescência dos dois rapazes, sobre a preguiça acadêmica de Luciano que o fazia demorar tanto para ler aqueles artigos tão simples, sabendo que era preferível que o moreno levasse o tempo que fosse necessário para digerir aquelas informações por completo, da melhor forma possível.

O argentino tentou se entreter com os cômodos daquele imenso sobrado que ainda não tinha averiguado naquele quase um mês de estadia ali. Sentia-se tão aflito que não conseguiu achar muita graça do fato de que ele e Luciano tinham levado suas aventuras sexuais para quase todos os quartos do andar debaixo da casa; não conseguiu nem mesmo pensar na possibilidade de que talvez eles devessem experimentar os quartos restantes também, deixando por toda parte a marca invisível daquele amor que parecia só florescer naquela residência.

"E se esse amor murchar a partir de agora? Hein, Martín? O que você vai fazer sobre isso? O que você vai poder fazer sobre isso?"

"E se o encanto dele se quebrar agora que as suas dificuldades vão ganhar um nome cheio de estereótipos?"

"E se você deixar de ser só um cara tão estranho que beira o fofo aos olhos dele, de um jeito inexplicável?!"

"Quem disse que ele realmente te vê como um cara... fofo? Estás loco!"

"Quem disse que tudo isso vai fazer qualquer diferença agora-"

"Quem disse que você vale tão à pena assim-

"Quem-"

— Mas que merda...!

Martín exclamou sozinho enquanto caminhava próximo à porta do sobrado, optando por abri-la e deixar que o ar mais frio da noite que caía tentasse varrer um pouco da força das vozes em sua cabeça.

Private Dreams (BraArg) (PT-BR)Donde viven las historias. Descúbrelo ahora