Capítulo 53 - Mas um novo dia sempre vai raiar

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— Eu nunca te contei isso... Mas tem uma música, desse gênero que você tanto gosta, que eu escuto com bastante frequência. Díos, dá pra você prestar atenção no que eu digo e parar com essa boca e com esses dentes?!

Martín ainda estava nos braços de um dançante Luciano, os dois homens se movimentando meio que descompassados com a música que tocava – não porque não entendiam seu ritmo; mas sim porque Luciano o abraçava desajeitado enquanto mordiscava, ininterruptamente e com leves chupadinhas, uma bochecha do argentino.

— Quando não é com um cachorro, você se parece com um bebê que está descobrindo que tem dentes. Luciano, para! – Martín suplicou, tentando esconder um sorriso enquanto afastava seu rosto dos dentes atacantes do brasileiro.

Luciano se esforçou para se assemelhar ainda mais a um bebê, fazendo cara de choro e mordiscando o ar como se pedisse pela pele do argentino, como se implorasse por uma chupeta.

Martín levantou uma mão e a ofereceu no lugar da bochecha que, de fato, doía depois de ser mordiscada daquele jeito; e balançou a cabeça soltando um risinho indignado quando o moreno deu-se por satisfeito ao substituir a bochecha pela lateral da mão do argentino.

Luciano fez uma pergunta que saiu dificultosamente compreensível do meio de seus lábios ocupados pela mão de Martín, mas o argentino o entendeu.

— É um pagode, como eu disse – o loiro respondeu, olhando pensativo para além do ombro do moreno que o abraçava pela cintura. — Ou um samba, eu não saberia identificar... Mas é uma música que eu escutei por sua causa, claro. Me pareceu à época que você não se importa com essa canção em particular, mas... Essa música...

Luciano, que tinha os olhos presos em qualquer ponto do pescoço do argentino como se não prestasse atenção em nada além do gosto da mão que mordia, levantou o olhar negro para o rosto de Martín.

Finalmente dando um descanso ao corpo de Martín que era atacado aleatoriamente pelos lábios carnudos, e soltando a mão do loiro do meio desses mesmos lábios, o brasileiro perguntou:

— De que música tu fala, meu amor?

Martín se envergonhou.

— Agora que eu paro pra pensar, realmente nunca te vi escolhendo ela pra ouvir, digo por vontade própria. Ela tocou no automático nessas suas caixas de som, quando morávamos juntos. Mas a letra dessa música me serviu de consolo em alguns momentos bem... difíceis. É claro que você sabe que eu também não sou invicto, nem sempre venci todos os jogos. Com a minha seleção mesmo, eu... Eu precisei enfrentar derrotas que...

O olhar oceânico de Martín se prendeu similarmente à um ponto do pescoço de Luciano, e o argentino soube o quão entristecido ele provavelmente parecia estar naquele momento.

Quase que de modo imediato, Martín lutou contra suas próprias memórias de jogos que terminaram em derrotas avassaladoras, com um receio honesto de que ele acabasse se envolvendo em sua própria dor do passado e se esquecesse, mesmo que por um segundo, da dor que o homem que o abraçava enfrentava naquele instante.

— Complicado pro teu preto te ouvir dizer isso, Martín... – Luciano falou, acariciando o rosto do argentino.

— O que-

— Eu te disse que só posso imaginar o tipo de dificuldade que tu enfrentou sozinho nesses anos todos. Tu me deu pouquíssimas oportunidades de estar do teu lado quando tu precisou, e mesmo assim eu acho que nas vezes em que consegui isso, foi porque eu meio que derrubei a porta que tu fechava pra mim na base do chute.

— É coisa do passado – Martín se apressou, querendo impedir que Luciano também se perdesse em dores que não eram suas. — Coisas pelas quais eu precisei mesmo passar pra chegar aonde eu cheguei. E que eu não teria conseguido superar tão rápido quanto superei se não fosse por essa música.

Private Dreams (BraArg) (PT-BR)Where stories live. Discover now