Capítulo I - Ligados por Sangue / Parte 7: O Rapaz do Outro Lado da Linha

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Desliguei assim que notei o desespero em sua voz. Naquele momento já era suficiente; não há nada de errado em sua primeira vitória não ser uma grande vitória. Deixe as coisas acontecerem. É, deixe as coisas acontecerem. O final é o que conta, e no fim estaríamos ligados por sangue...

Saí da cabine telefônica e me deparei com a rua movimentada. Quando você vê mortes em filmes, livros ou qualquer lugar fictício, o ambiente o faz crer de que tudo mudara após aquela morte, singular ou coletiva. A verdade é que nada muda, bom... Nada mudou naquela noite. As pessoas continuavam voltando de suas rotinas de trabalho para suas casas, despreocupadas, mal notavam as crianças que moravam na rua e passavam por entre elas afanando suas carteiras. Todos têm que ganhar o pão. A noite estava com uma brisa agradável, e eu já não me sentia mal pelo que havia feito. Ouvi-lo daquela forma colocara- -me de novo nos eixos. Notei, ao colocar as mãos nos bolsos da calça, que estava sem cigarros. Segui para uma luz do que parecia ser um boteco qualquer a não muitos metros. As pessoas passavam por mim, sorriam para mim; para elas eu era apenas um jovem normal. Tênis, calça jeans, camisa de flanela. Não podiam ver o sangue que estava derramado no chão ao lado do meu quarto, mas podiam ver o jovem de pele clara, traços não muito bruscos e um liso cabelo preto e eu podia notar que elas gostavam do que viam. Aceitavam-me e provavelmente nem acreditariam se alguém apontasse para mim acusando-me de meu crime.

Próximo da luz alaranjada do bar, alguns bêbados mendigavam moedas para sustentar seu vício. Estes sim eram a escória da sociedade; as pessoas até mudavam de rua para evitar o encontro com esses desgraçados. Talvez não houvesse sangue na mão deles, mas tenho a certeza de que levavam infelicidade para suas famílias, envergonhando suas mães, batendo em suas mulheres... O ódio se alastrava pelo meu corpo com esses pensamentos.

Ignorei-os, tentando me recompor – os punhos já estavam cerrados –, e adentrei a porta do lugar.

***

O lugar estava vazio, e como não estaria? Era uma droga de uma terça-feira. Uma pessoa que frequente um lugar daquele numa terça-feira não era digna de ter um trabalho, uma família, amor...

"Acalme-se", disse uma das vozes dentro de mim.Relaxei-me e sentei junto ao balcão; o tempo me ensinou a ouvir essas vozes e acatar seus desejos. Eram parte de mim e

eram tudo que eu tinha. Tiraram-me todo o resto. Ele me tirara a única coisa pela qual valia a pena viver .

O lugar possuía apenas um par de mesas que estavam ocupadas por um trio de homens. No balcão, outros dois se sentavam.

"Qual o seu nome, meu bom rapaz? Sua mãe sabe que você está aqui?", ouvi a voz e olhei em sua direção, notando o balconista gordo e careca. Aquele que fornece o que os homens pedem.

"James Morris", apresentei-me, ignorando o comentário. "Um maço de Marlboro, por favor." Sempre preferi os cigarros de filtro amarelo. Disseram-me uma vez que eram mais fortes e mais propensos a causar problemas de saúde, mas nunca me importei com isso.

"Aqui está", ele deixou a caixa sobre o balcão.

"Pode fumar aqui?", disse, já abrindo o maço. Estranharia um não como resposta.

"Sinta-se à vontade", ele passava um pano úmido sobre o balcão.

Apalpei os bolsos e notei que também não tinha fogo e pedi por ele, que se abaixou e me jogou uma caixa de fósforos.

Acendi o cigarro, tragando profundamente, e fiquei a observar o lugar, esperando a leve sensação de tontura que o primeiro trago sempre me causava. Um sentimento como que um déjà vu em menor intensidade fez-me pensar na noite anterior.

Liberte-seOnde as histórias ganham vida. Descobre agora