Capítulo VI - O Epitáfio e o Espetáculo / Parte 4: Michelle, a Vendedora

1.6K 152 0
                                    

Eu trabalhava com flores há tempo o suficiente para saber o que os fregueses desejavam no momento em que pisavam na Flor da Noite – você tem que ser boa, se não te mandam embora. Alguns, coitados, gastavam o que não tinham para tentar conquistar o amor que nunca teriam. Rosas vermelhas para mulheres de sangue quente, eu dizia; mas sabia, como mulher, sabia, as rosas não significavam nada se o rosto de quem as trouxesse não fosse honesto – ou se não trouxessem a expressão esperada. Se sentia pena de uns, adorava cobrar horrores de outros que eu sabia – sabia no momento em que pisavam no lugar! – que não passavam de safados, infelizes, promíscuos com suas mulheres; compravam rosas para não ouvirem lágrimas. Não eram homens de Deus, mesmo que clamassem o contrário. Torcia para estes serem corneados toda as vezes que viajassem.

Ao pousar os olhos sobre o desiludido homem que adentrava a loja no domingo, porém, não consegui dizer o que ele queria. Mas, para não dizer que perdera meu dom, senti a tristeza que ele carregava.

"Posso ajudar?"

O homem suspirou.

"Uma vez, passando aqui com minha...", hesitou, o que não podia ser um bom sinal.

"Bom, minha noiva uma vez viu lindas rosas vermelhas ali", apontou para a vitrine, banhada pelo laranja do fim da tarde, "e se apaixonou por elas. Eu adoraria um buquê com elas", sorriu, mas a tristeza continuava lá.

Rosas vermelhas... Os clichês se repetem, não importam as situações.

"As rosas vermelhas estão ali", apontei para o lado onde ficava a pequena fonte que havia dentro da loja, ressoando seu calmo som de água corrente. "Quer escolhê-las?"

"Acho melhor que você escolha... se não se importa."

"Tudo bem". Não me importava. A maioria dos comprados nem iam até o lugar, eu bem sabia. Ligavam e pediam rosas para tal endereço, tal dia da semana. Acostumara-me a escolher as rosas; sempre escolhia as que julgava serem mais lindas, pois independentemente de quem as pedisse, quem as recebesse merecia as melhores. Pior do que receber flores de um canalha, seria receber flores feias de um canalha.

Organizei da melhor forma que pude um formoso buquê. O homem aguardava em meio ao local, observando as flores, as esculturas, mas com a cabeça longe, eu sabia.

"Aqui estão", disse, junto a ele, com o buquê na mão.

"São lindas!", ele sorriu. E eram.

Após receber – muito dinheiro, pois domingo eram mais caras –, acompanhei o homem até a porta e o observei entrar no carro. Fora um dos poucos clientes que não consegui desvendar em todos os meus anos trabalhando.

Voltei para dentro, imaginando qual seria sua história e com a impressão de que seu rosto era um pouco familiar.

"Qual era o nome dele mesmo?"

Já estava quase na hora de fechar a Flor da Noite.

Liberte-seOnde as histórias ganham vida. Descobre agora