Capítulo II - O Motivo e o Caminho / Parte 4: George Hoff

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Uma das – e não, nunca diria que é a pior – piores coisas de se trabalhar para a segurança pública, tal como polícias, bombeiros, é, com certeza, os horários em que o seu telefone insiste em tocar. E você tem de atender. Eu estava cansado, dormindo ao lado de minha querida mulher no ápice da madrugada, e o telefone tocou.

"Desligue isso, George", a sonolenta voz de minha amada Gisele pediu, enquanto ela se virava sobre a cama.

Levantei-me, calçando os chinelos, para atender o inoportuno telefone que continuava a ressoar pela casa. Certo que gostaria de desligá-lo e voltar a dormir, mas de que adiantaria? Ligariam de novo. Eu era o tenente de Circodema, e se alguém tinha a audácia de me ligar no meio da noite é porque algo nada bom havia acontecido; o que não me surpreenderia, dado o estado do corpo que encontramos na manhã daquela terça-feira.

"Volte a dormir, minha querida." Esfregava os olhos, caminhando com a irritação de quem havia sido acordado no meio da madrugada. "Pode ser algo importante", insisti com ela. "É melhor ser algo importante."

Saindo de minha suíte, passei por um corredor, onde também ficava o quarto de meu filho Lucas, que encontrava-se em uma faculdade em Presinde, cursando administração – Circodema pecava por não possuir uma boa instituição de ensino. Passando o corredor e a sala, finalmente cheguei ao telefone, que ficava na cozinha.

"Que barulho insuportável!", Gisele gritou ao fundo. Era uma mulher serena, mas telefones, campainhas, miados de gatos que mais parecem crianças chorando... Qualquer barulho persistente transforma humores ao longo da madrugada.

Liguei a luz do cômodo e atendi o telefone, enfim. "Alô, com quem falo?"

"George? George, houve outro maldito assassinato."

"Paul? Assassinato? Do que diabos você está falando? Vá com calma." Algumas informações são mais fáceis de digerir após um tempo acordado.

"Estamos em frente a uma bar e... Merda! Acho melhor você vir aqui, pois precisará ver com seus próprios olhos."

"Ir aí onde, por Deus? Já são...", procurei o relógio na parede da cozinha. "São quase duas horas da manhã!"

"Senhor, eu não o incomodaria caso não houvesse muito motivo para isso. O senhor bem sabe disso, mas o senhor realmente deveria vir aqui."

E quando você é o maldito tenente da cidade, você tem que atender ao chamado.

"Tudo bem. Onde mesmo?" Ele passou-me o local. Era um ponto cheio ao final da tarde, mas deserto pela noite. "Estou a caminho, só me dê um momento." Desliguei o telefone enquanto ele ainda falava. Meu humor não estava o melhor.

Voltei a lentos passos para o quarto e abri o guarda-roupas, sacando uma calça e uma camisa.

"George?", Gisele chamou por mim. Eu tossia, massageando debaixo do braço esquerdo, que ainda incomodava. "George?", ela insistiu, sentando-se na cama.

"Gisele...", atendi ao chamado, sentando-me.

"Volte para a cama", ela puxou-me pelo braço. "Onde você pensa que vai?", olhei-me atenta e percebeu minha mão no rumo do peito. "George, você está bem?", inclinou-se sobre mim.

"Estou", pigarreei. "Estou sim. Eu tenho que sair", abotoei a camisa, levantando-me e puxando um casaco do cabide. "Houve outro maldito assassinato."

"Por Deus", ela me olhava, meio perdida pela informação. "O que há de errado com essa cidade? Estava tudo tão calmo."

"Eu bem sei, mas são tempos loucos. Apenas volte a dormir, minha querida."

"Tudo bem", deitou-se, fechando os olhos. Sabia que não adiantaria discutir comigo, pois era um velho teimoso, e também estava sonolenta demais para pensar em qualquer coisa. "Apenas se cuide, por favor. Que Deus o proteja, meu bom marido, e leve esta pobre alma para o Seu reino."

"Amém." No fundo eu temia que Deus houvesse esquecido aquela cidade há muito tempo, mas como o bom católico que era, proferia sua palavra sempre que possível.

Ao sair, levei a mão ao peito novamente, como que para checar se tudo estava em seu lugar.

Fora da casa, o desconforto havia passado e o vento soprava frio.

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