Capítulo III - O Bom Filho a Casa Torna / Parte 2: Edgar Visco

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Ao anoitecer, já mais calmo, parei em frente ao Bom Apetite, onde Linda estava trabalhando. Peguei o bolero, que estava no banco ao lado, e caminhei até o local. A rua estava calma e pessoas passavam por ela, sorrindo, como se não houvesse um maldito assassino na cidade escrevendo bilhetes de sangue em seu tempo vago. A única coisa que temiam era a tempestade que ameaçava se formar. Aproximei-me da loira atendente na porta, perguntando por minha querida. Ela apontou para o lado, onde ela acenava. Sorrindo, fui ao seu encontro; o traje social – saia cinza, camisa branca e cabelos presos – deixava-me doido por ela, querendo lançá-la em uma das mesas e possuí-la em seu restaurante mesmo. Porém, aquele dia, temia não portar as melhores notícias e por esse motivo logo meus pensamentos carnais esvaíram-se.

"Eddie!", ela me abraçou. "O que faz aqui, meu amor? Veio me surpreender mais do que na noite passada?"

Como ela sabia?

"Bem provável", esbocei um sorriso forçado, sem graça. "Tome, você esqueceu...", entreguei a ela o bolero.

Sentamo-nos em uma das mesas próxima às janelas, o que me fez desviar o olhar para as pessoas na rua, tentando descobrir como começar a dizer.

"O que houve, meu querido?"

"Eu meio que...", ela olhava-me, apreensiva. "Eu me demiti." Fui direto.

"Você o quê?". Aquele não era um bom olhar.

"É complicado."

"Imagino que seja, Eddie. Mas fale logo, o que houve?"

Talvez fosse melhor pular a parte da briga, pois tal fato poderia a confundir sobre minhas reais intenções; e por "minhas reais intenções" digo que eu precisava voltar à polícia para salvar aquela maldita cidade. Nada mais e nada menos.

"George... Você se lembra de George? Creio que já te contei sobre ele, o tenente." Ela fez que sim. "Ele me ligou. Precisam de minha ajuda, Linda."

"Eu não acredito nisso!", indignou-se. Era o que eu temia. Por que as coisas nunca podem ser simples com as mulheres, meu Deus? "Depois de tudo o que aconteceu? Depois de tudo pelo que você passou?"

"É mais complicado do que aparenta ser, meu amor."

"Explique-me, então!"

A moça que aguardava os fregueses na porta olhou em nossa direção. Fiz um sinal para Linda acalmar-se.

"Você viu as notícias sobre os assassinatos?"

"Sim... Estão em todos malditos jornais. Dizem cada coisa."

"Ele não sabe como prosseguir..."

"Como não, Edgar? Ele e todos os outros policiais são pagos para fazer essa merda! Você não pode, meu amor! Não pode!", segurou minhas mãos, apreensiva. Por que ela não podia simplesmente entender? Era algo que tinha de ser feito.

"Eu preciso, Linda. Eles não estão preparados! Desde a aprovação da pena de morte não houve casos assim. Os bons policiais ou se aposentaram, ou foram transferidos. Roubos, assaltos, sim, mas isso... Isso é bastante mais complexo! Desde que saí, ninguém foi capaz de ocupar essa área."

"Eddie, por favor..."

"Prometo que ficará tudo bem. Você tem minha palavra", apertei suas mãos. "Estas mortes têm que parar, você não pode negar isso."

"Acho que..."

"Você sabe que eu sou capaz", sorri.

Com o lábio curvado, balançou a cabeça, com um ar de quem fazia o que não queria, mas sabia que fazia o certo. Linda nunca fora uma boa perdedora.

"A gente se vê hoje?", ela perguntou.

"Hoje eu preciso tratar de alguns assuntos..." E se tudo desse certo eu não precisaria voltar para a polícia. Deus, se tudo desse certo, tudo acabaria naquela mesma noite. Quão simples e perfeito isso seria?

"Que assuntos, Edgar?", já não soava tão compreensiva.

"Rever alguns arquivos e..."

"Linda!", ouvi o grito e desviei o olhar para a mulher que vinha em nosso encontro. Bonnie, a melhor amiga de minha amada. Salvo pelo maldito gongo, Edgar.

"Bonnie, minha querida!", Linda disse, levantando-se para abraçá-la.

"Que lindo anel!", ela puxou a mão de Linda. E, modéstia à parte, de fato era. "Aposto que deve ter custado uma nota! Você não tem nenhum amigo assim para me emprestar, Eddie?"

Dei os ombros, sorrindo.

Bonnie então começou a falar em uma velocidade que eu não estava no ânimo para acompanhar e, visto que estava dado o recado, levantei-me.

"Meninas, deixarei vocês colocarem os assuntos em dia."

"Eddie...", minha querida noiva disse, não demonstrando o melhor dos rostos; mas se eu quisesse evitar uma discussão mais longa, aquele era o momento de me retirar.

"Tudo bem, meu lindo!", Bonnie disse. "Precisamos mesmo colocar os assuntos em dia. Você insiste em me roubá-la sempre!"

Sorri. "Depois conversamos, meu amor", disse e Linda assentiu, não demonstrando nenhuma afeição. "Até mais, Bonnie", acenei.

Entristecia-me vê-la magoada comigo, mentiria se dissesse que não. O meu peito apertava com a lembrança de seus lábios curvados à medida que aproximava-me de meu carro; porém, o que mais poderia eu fazer? Os bilhetes, as malditas ameaças... Isso tinha que parar. Talvez com a perspectiva interna da polícia as coisas se facilitariam. Senti um frio na barriga ao pensar que voltaria a colocar meus pés naquele local no dia seguinte – até mesmo uma espécie de excitação.

Mas antes havia uma noite. Tudo poderia acabar naquela noite.

Já ao lado do carro, voltei os olhos para o restaurante e, através da janela, pude notar o sorriso de Linda junto à sua amiga, o que me deixou mais calmo.

No horizonte, um trovão deu o seu grito. Alguns pingos de chuva tocaram meus cabelos e o frio eriçou os pelos de meu pescoço, me apressando para abrir a porta.

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