Capítulo IV - Charlie? / Parte 8: Edgar Visco

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"O que diabos está acontecendo comigo?!", pensava, caminhando a largos passos para a porta de minha casa.

Tremia; o que dificultava acertar a chave na maldita fechadura. "O que diabos está acontecendo com essa porra de cidade?".

Mantendo o passo forte, fui até a cozinha, onde abri todas os armários e gavetas possíveis, mas, ainda assim, não encontrei o que buscava. Onde está o X neste maldito mapa do tesouro?

"Merda!", levei as mãos à cabeça após bater a última gaveta.

Segui para o quarto, onde revirei o guarda-roupas, jogando tudo ao chão, mas nada; a busca continuava em vão. Bati as costas contra o móvel, fechando a porta, escorregando até o chão; parado, perdido.

Suava. Passava a mão pelo rosto, o nervosismo me consumia e meus dentes pressionavam-se a cada segundo um pouco mais.

Levantei, aceitando que teria que ir até o posto, mas parei na porta, voltando os olhos para a cama. Sorrindo, deitei-me no chão, tateando sob a mesma. O toque de vidro empoeirado era como ouro em minhas mãos.

"ISSO!". Puxei a garrafa para mim.

Não me lembrava há quanto tempo a garrafa estava naquele lugar e nem mesmo como a mesma foi parar lá, mas nada disso importava; um lapso de embriaguez era o mais provável, alguma parte de mim deveria lembrar, pois ao bater os olhos na cama eu soube que ela estaria lá. A culpa chegaria em outra ocasião, mas aquela não era outra ocasião. Como era doce o sabor do rum deitando sobre minha língua como uma dama esperando seu parceiro. Como era doce!

Escorado nos pés de meu leito noturno, tragando a bebida de momento em momento, refletia. "Como tudo isso foi acontecer?". Gole. "George... Linda... até mesmo Charlie, merda! Tudo minha culpa... tudo...". Gole. "Isso tem que acabar."

Será que eu conseguiria? Será que ainda era capaz? Já fora, isso era inquestionável, mas o tempo... Ah, o dez vezes amaldiçoado e cruel tempo! Nem todos somos como vinho, é sabido.

Muitos dizem que a vida é um jogo e outros tantos afirmam que não. Contemplando o primeiro grupo; se a vida é, de fato, um jogo... Eu estava perdendo.

***

Quando despertei com o maldito telefone tocando novamente – um recorde nos últimos dias, dias difíceis para manter um sono agradável – meu tronco estava na cama, mas minhas pernas estavam para fora. Minha cabeça estava como um vulcão ativo, prestes a entrar em erupção.

"Mas que...", levantei a cabeça, mas desisti em seguida, devido ao desconforto, "porra..."

O toque parou por um tempo. Olhei para os lados e lá estava a garrafa, vazia. Meu corpo desacostumara ao porre. Notei – quando consegui olhar para o próprio corpo – que trajava as roupas da noite anterior, inclusive os sapatos. Merda.

O infortunado aparelho telefônico voltou a tocar. Maldito seja o desgraçado que inventou essa merda! Olhei o relógio; a manhã estava apenas começando. Ocorreu-me a curiosidade de saber quantas vezes o infernal telefone tocara.

Lentamente, consegui me levantar. Sentado, tive que segurar o vômito por alguns segundos. O barulho estridente insistia.

Trôpego, caminhei até as escadas e desci. No meio do caminho, porém, o toque se esvaiu para minha frustração. A sensação era de atender a porta após a campainha ressoar por horas e não haver ninguém do outro lado.

Voltava para o meu quarto, a fim de dormir até tudo pelo que eu passava se resolver ou até que o mundo simplesmente explodisse, quando notei a luz da secretária eletrônica piscando – duas vezes nos últimos dias, outro recorde. Com a mão na cabeça – como doía! – fui até o dispositivo ver qual o motivo de tanto alarde.

Apertei o botão para ouvir o recado.

"Edgar, aqui quem fala é o Ronne. Como tem passado? Não pensei que fosse a sério a sua demissão e...", pausou. "Enfim, não é sobre isso a ligação, esse assunto podemos tratar depois. Houve um infortúnio, Edgar. Charles... Charles está morto. O Sr. Keller decretou luto e eu sei que vocês não se davam bem, mas... Deus! O enterro será hoje às duas no Jardim do Descanso. As coisas entre vocês não terminaram bem, eu sei, mas você deveria passar lá. Sentimos sua falta no escritório, Edgar. Eric provavelmente tão quanto ou mais do que a maioria. Sei que ele gostaria de vê-lo lá. O homem está péssimo, Edgar. Péssimo. Bom... não tenho mais o que dizer. Espero vê-lo por lá, também. Um abraço, meu bom amigo."

"MERDA!", esbravejei, socando a parede ao meu lado. A ligação lembrara-me de todos os problemas que o álcool havia ofuscado. Tantos problemas existentes e tantos ainda por vir. "Droga...", caminhei até o sofá, onde me sentei. A dor de cabeça estava na fronteira do insuportável.

"Como terminaria tudo aquilo?", perguntava-me. Charlie... Uma dor apontou em meu peito com o pensamento de que poderia ter sido Linda o corpo que encontrara. Isso eu não poderia aceitar ou suportar. Aquela situação tinha que ter um fim, e logo.

Voltei ao quarto, procurando por algum remédio para a cabeça. Nada. Nada. Nada! O som das gavetas se abrindo formavam a orquestra de minha decepção. Fui para o banho, deixando o quarto o caos que estava, o que, em todo caso, era o menor dos meus problemas. Talvez um bom banho quente diminuísse a dor.

Não diminuiu.

Vesti um terno escuro, fúnebre, e segui para o carro. Ventava, o que aliviou um pouco a dor e impediu-me de surtar.

Linda... Devia algumas explicações para ela, isso era certo. A necessidade de vê-la e vê-la bem foi a única coisa que impediu-me de perder o controle de seu carro e protagonizar um drástico acidente de trânsito. Mais um para minha maldita vida. No mais, a latente dor em minha cabeça impedia-me de qualquer tentativa de concentração.

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