Capítulo 9

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Thomas

    Amanda Silva Carvalho era a garota perfeita. Do tipo que você acorda e não acredita que tem tamanha sorte por estar com ela. (Sou meio suspeito de falar porque sou o ex-namorado iludidamente apaixonado aqui.) Ela tinha longos cabelos loiros, olhos verdes, linda. Além de tudo, era engraçada e inteligente. Eu ainda não fumava na época em que comecei a namorar com ela, foi só depois de um tempo.

    Eu sou uma daquelas pessoas que geralmente guarda a vida pessoal para si, e não fala nada sobre ela para mais ninguém. Caso contrário, a pessoa que está ouvindo você falar sobre sua vida, vai chorar mais do que você, de tão na merda que você está.

    Vamos começar com o seguinte: meu pai é um babaca dos grandes. Do tipo que xinga os filhos de todos os nomes horríveis possíveis, bebe pra caralho, espanca a mulher e os filhos, e a sua melhor desculpa para tudo isso é que ele paga as contas e te dá um teto e comida. Eu tento ficar fora do caminho dele, mas nem sempre consigo. Então ele pega o seu filho desgraçado e usa como saco de pancadas. Já me acostumei.

    Havia momentos em que ele conseguia ser uma pessoa agradável, do tipo que você nunca pensaria que tem problemas com a raiva e a bebida. E eu me odiava por gostar dele nesses momentos.

    Um bom exemplo disso, foi quando minha mãe morreu com câncer de mama. Eu tinha 10 anos.

    E é ai que entra o Tyler. Meu irmão mais novo. A única pessoa que me faz querer continuar vivo. Ele tinha apenas 3 anos quando minha mãe se foi. E foi nesse época que meu pai conseguiu demonstrar pelo menos um pouco de compaixão no coração, e cuidou muito bem do Tyler. Entretanto, pouco tempo depois comecei a ver marcas roxas pelo braços e pernas dele, e eu faltei morrer por isso. Meu pai maltratava Tyler também, que mal chegara a infância direito.

    Então fizemos um trato, sempre que meu pai estava para agredir ele, ele gritava, berrava, e eu entrava no meio. Levava a surra por Tyler. Meu pai não se importava em qual filho ele batia, desde que ele batesse em alguém.

    Eu protegeria Tyler a qualquer custo. Graças a Deus nossos horários na escola eram o mesmo, e ele tinha horário integral, então era ótimo. Quanto menos tempo ele ficasse naquela casa, melhor.

    Sobre o meu pai: ele fazia sua parte em casa, mas tinha os seus surtos, o que o tornava um belo filho de uma puta desgraçado. Pelo menos ele não me enchia muito o saco com as minhas responsabilidades, contando que eu não bagunçasse a casa num nível extremo, e não desse problemas sérios na escola, estava de boa.

    Então, eu dei problemas sérios na escola.

    Amanda era uma ótima namorada. Quando estava com ela conseguia me divertir, o sexo era incrível, e eu tinha amigos lá naquele escola, do tipo para ir em festas e zoar.

    Não tinha me aberto muito com ela sobre minha família, apenas contei que minha mãe tinha morrido de câncer, e meu pai criava eu e meu irmão. A versão simples. Se eu contasse a versão complicada... Bem, não gosto de pensar no que teria acontecido se eu tivesse me aberto com a Amanda, talvez as coisas poderiam ter sido diferentes.

    Comecei a fumar com uns 4 meses de namoro. Amanda logo descobriu. Me chamou de viciado, drogado, nojento, e que eu deveria procurar ajuda. Doeu, mas sabia que ela não estava querendo dizer isso. Eu sabia que talvez ela não gostasse taaaaanto assim de mim, mas ela não era uma pessoa cruel. Logo depois conversamos, e fizemos as pazes, prometi que ia parar.

    Eu não parei.

    Não me levem a mal, não quero me fazer de vítima, mas eu só tenho 17 anos. Meu pai me espanca, minha mãe está morta, e tenho que cuidar do meu irmãozinho. No mínimo devo ter depressão, ansiedade, estresse e mais umas 30 doenças psicológicas.

    Então eu continuei fumando escondido, por quase um ano. Mas não sei se Amanda fez o que fez porque descobriu isso, ou apenas porque ela quis agir como uma vadia mesmo.

    Ela me traiu. Mas não de um jeito do qual você descobre pelos amigos. Eu, naquele dia, também descobri que não tinha amigos. Apenas pessoas que estavam ali para preencher alguma lacuna inútil na minha vida.

    Amanda chegou um dia, com um papinho de que um cara do nosso círculo de amigos, Carlos, havia dado em cima dela, mas de um jeito pesado. Do tipo que você considera assédio.

    Então, eu não perdi tempo, no intervalo daquele mesmo dia, fui falar com o Carlos. Ele se fez de "desentendido", mas tinha aquele sorriso debochado no rosto. Então eu dei o primeiro soco. Eu não era espetacularmente forte, já tive um físico melhor na época que eu não fumava, mas não era fraco. Minha aparência de magricela chegava até enganar um pouco.

    Caímos na porrada, a escola inteira estava em volta de nós. Eu estava sangrando, mas ele também. A diretora chegou. Eu não via Amanda em lugar algum.

    Na hora do veredito, ninguém ficou do meu lado, nem mesmo os meus "amigos". Eu tinha dado o primeiro soco, falavam eles.

    Então implorei para chamarem Amanda, para ela ficar do meu lado, e também contar sobre o assédio. Ela chegou na sala da diretora, e se fez de desentendida. Falou que não sabia de briga nenhuma, mas que sentia muito pelo Carlos, e esperava que nada acontecesse com ele, pois estavam namorando. Meu queixo caiu.

    Gritei e berrei inutilmente com ela, para ela dizer a verdade, que se estava sendo ameaçada, podia contar comigo e com a diretora, mas o olhar dela dizia tudo: "Eu armei isso para você, otário."

   Então eu chamei ela de vadia, vaca, puta, traíra e mais uma caralhada de nomes. Tudo em frente a diretora. Apenas pensem o quanto a minha imagem estava ótima naquele momento.

    A diretora gritou um "Basta!" que me fez ficar calado. Pediu para Amanda se retirar, e ligou para o meu pai imediatamente.

    Eu havia forçado meu pai sair do trabalho na serraria para vir me buscar. E não havia dúvidas, eu seria expulso e matriculado em outro lugar. Meu pai se comportou civilizadamente em frente a diretora. Mal ela sabia o que me esperava quando eu chegasse em casa. Agradeci aos céus por Tyler estar na escola naquele horário, ele não teria que ver ou ouvir qualquer coisa.

    Naquele dia eu levei chibatadas, com uma cinta antiga que meu pai não usava a muito tempo. Eu desmaiei de dor.

Uma vida vazia [COMPLETO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora