Capítulo 32

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Subi no terraço após trocar de roupa. Coloquei uma camiseta preta e uma calça de moletom da mesma cor. Apesar de Thomas estar ali, eu não fiz muito em relação a minha aparência, apenas penteei um pouco meu cabelo para usar ele solto, mas ainda assim não me agradou. Por ser liso e castanho escuro quase preto, ele estava oleoso e deixava um brilho que me desagradava. Fiquei frustrada por um tempo me olhando no espelho pensando que ele também não crescia e custava ultrapassar os meus ombros. Então fiz um rabo de cavalo, apesar disso deixar meu rosto ainda mais redondo, porém apenas ignorei. Estava cansada de me frustrar com a minha aparência.

Essa saga toda do cabelo também foi uma forma de me distrair dos meus pensamentos, que volta e meia me lembravam do que eu tentei fazer. O nó na minha garganta e o peso das minhas ações pareciam não ter fim.

-Ei! -Disse Thomas quando me viu subindo.

Dei um leve sorriso em resposta. E fui até ele me encostando no muro e olhando a vista. 

Eu amava ficar ali. Acender um cigarro, olhar a imensidão da cidade, às vezes ouvir música. Aquilo me acalmava.

-Então, vai me contar por que está de suspensão? -Perguntou Thomas. -Quero dizer, você só precisa falar se estiver confortável também, sei lá. Não é da minha conta de qualquer forma.

Ele abaixou a cabeça e deu uma tragada no cigarro. Ele parecia inquieto. Na verdade, ele sempre estava inquieto.

Respirei mais fundo do que o esperado, e olhei para o céu. Tentando conter as lágrimas, mas o vento não ajudava.

-Você já se sentiu perdido? -Perguntei para ele, mas ainda olhando para o céu. -Tipo, verdadeiramente. Nunca tem certeza de nada, se questiona tanto a ponto de ficar louco, e parece que tudo é demais pra você, sente que vai quebrar a qualquer momento e decepcionar todo mundo?

Notei que ele me encarava agora, mas não ousei olhar para ele. Eu não ia aguentar.

-O tempo todo.

-Pois bem, eu acho que segunda-feira eu me quebrei, e decepcionei muita gente. Mas acima de tudo, decepcionei a mim mesma. -Ele esperou que eu continuasse. -Eu fiz algo muito errado. Algo ilegal.

Thomas arregalou os olhos.

-Eu não matei ninguém! Nem serei presa por nada!

-Ainda bem. -Thomas suspirou e riu de nervoso. -O que você fez então?

-Eu hackeio, ou melhor, hackeava o sistema de notas da escola. Só para ficar na média, em algumas matérias. É por isso que eu quase nunca estudo, sozinha ou em grupo, só faço algumas coisas de certas matérias porque gosto, como história, sociologia, etc...essas mais humanas, sabe? E no fundo, eu não sei porque eu fiz isso, porque agora que eles descobriram, tudo está dando errado. -Comecei a chorar e resolvi não me conter. -Eu sei que fiz burrada, não vou esconder meus erros, e mereço tudo que está acontecendo. E eu não consigo sabe, sei que eu deveria ter capacidade como qualquer um, mas não me sinto assim. Eu me sinto presa, parada, paralisada. Eu não sei porque sou assim.

Eu não consegui mais falar a partir dai, comecei a soluçar. Thomas tocou meu rosto delicadamente e limpou algumas lágrimas e me abraçou forte. Ele não disse nada naquele momento. E no fundo o agradeci por isso. 

-Eu não sou a melhor pessoa para dar conselhos. -Thomas se afastou um pouco de mim para me olhar nos olhos enquanto falava, mas continuávamos abraçados. -Mas eu sei como se sente, Lily. Perdida. E está tudo bem. Tá tudo bem, sério. E talvez seja por isso que você optou por esse caminho, e eu não te julgo por isso. Porque se eu fosse um hacker também faria isso. 

-Eu não sou uma hacker. Só sei algumas coisas que peguei da internet, é sério. É mais fácil do que parece. -Falei um pouco com desdém, meio decepcionada com suas palavras.

-Sabe, eu não posso tirar notas ruins, nem nada. Meu pai iria surtar. E tudo ia desmoronar.

Encarei diretamente aqueles olhos negros, que agora brilhavam mais que o normal, contendo algumas lágrimas. E de relance olhei para os seus pulsos, com aquelas marcas. Ele não fez menção de puxar a manga do moletom para escondê-los. Deixou que eu encarasse.

-Sinto muito. -Então dessa vez fui eu que o abracei, e o senti soluçar no meu ombro. Afaguei seus cabelos e o deixei ali por um tempo. 

Meu coração estava despedaçado. Minhas suspeitas haviam sido confirmadas. Sem precisar ser dito diretamente e mais feridas serem abertas.

Thomas finalmente se afastou e limpou as lágrimas. Seu rosto estava vermelho. Ele estava triste, e eu não gostava disso, mas droga, ele ficava lindo quando chorava.

-Não conte isso para ninguém. Eu nunca contei para ninguém. Por favor. -Ele me pediu, sussurrando.

-Jamais. -Segurei sua mão. -Por favor, também não conte isso para Catarina, eu mesma preciso fazer isso.

-Tudo bem. Não que eu vá contar, mas por quê você tem que falar para ela?

-Catarina é a pessoa mais esforçada que eu conheço, e é muito inteligente, sabe, apesar desse sistema educacional de merda não perceber isso com essa coisa de provas, notas e decoreba. -Suspirei frustrada, mas continuei. -Mas ela é. E já tomou bomba, e quase sempre pede minha ajuda com estudos porque minhas notas são boas e eu sempre arrumo uma desculpa ou nego. Se ela descobrir isso por outros, parece traição. E de fato, é. Eu como amiga, mesmo isso sendo errado, deveria ter mudado algumas notas dela. Mas não fiz, porque sou uma egoísta do caralho. E eu tenho que lidar com isso, encarar isso eu mesma.

-Tudo bem, justo. -Ele assentiu. -Mas não acho que você foi egoísta com ela. Se descobriram que você mudou as notas dela, ela também ia se dar mal, então, vendo como um todo, não foi ruim.

Eu ainda não estava convencida, mas era um bom argumento. 

Então, acabou ficando certo silêncio e nos encostamos na mureta de novo para olhar a paisagem e sentir a brisa fria. Thomas acendeu um novo cigarro e me ofereceu, eu traguei. 

-Música para tocar no seu funeral. -Falei aleatoriamente, voltando ao nosso jogo de músicas para certas situações.

-Isso é meio deprimente, não? Sei lá, tento não pensar muito na minha morte. Ty precisa de mim. 

-Sei... Eu acho que seria R.I.P. To My Youth do The Neighbourhood, acho que é bem autoexplicativo.

-Acho que eu também escolheria essa. Boa escolha. -Ele tragou o cigarro e o passou para mim. Nossas mãos se tocaram e ficaram ali por um momento, nos encaramos e em seus olhos eu vi uma preocupação dele sobre mim. Eu também estava preocupada com ele. 

Apaguei o cigarro antes de tragá-lo mais uma vez, o puxei para perto de mim meio sem jeito e o beijei. Ele se assustou por um momento mas depois retribuiu, passando suas mãos por todo o meu corpo, frenético. Eu já não estava mais com frio daquela brisa.




Uma vida vazia [COMPLETO]Where stories live. Discover now