Capítulo 26

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Logo percebi que Thomas estava num dia ruim. Apesar do pouco tempo que nos conhecemos, acho que começamos a reconhecer nossos dias ruins um no outro, sem nada ser dito. Sentia uma empatia e um aconchego enorme quando isso acontecia. Nós dois, aprendendo a lidar um com o outro.

No recreio, ele foi de poucas palavras. Fumamos no estacionamento como sempre. 

Ele parava vez ou outra pra fazer um comentário sarcástico, enquanto eu falava a maior parte do tempo sobre qualquer coisa, só pra tentar melhorar o clima. 

Não falamos sobre o fim de semana, sobre o que aconteceu, mas também não parecia o momento certo.

Thomas estava claramente inquieto. Mexia muito os pés e as mãos, tragando o cigarro como se ali fosse seu oxigênio. Irônico.

Quando ele me passou o cigarro, a manga do seu moletom velho e preto de sempre, subiu, e pude ver alguns roxos no seu pulso. Isso me apertou o coração, e fiquei me perguntando quantos roxos ele escondia sob suas roupas. Eu senti um peso no meu peito durante boa parte do dia devido a isso.

Queria falar algo, mas senti que não devia. Thomas não gostava de falar sobre o que ocorria na casa dele, o que ocorria com ele. Não era o momento, eu falei pra mim mesma. Mas me perguntei se isso afetaria algo no futuro. Talvez eu devesse falar algo...

O sinal bate, anunciando o fim do recreio. Thomas puxa para baixo a manga do seu moletom. Dou uma última tragada no cigarro e jogo fora. 

Thomas começa a andar apressado na minha frente, eu o alcanço, o paro, seguro sua mão e a acaricio levemente. Continuamos.

Essa era a minha melhor forma de dizer "estou aqui" para ele, naquele momento.

***

Estávamos no horário pós-recreio, onde a sala sempre fica mais agitada. Foi ai que tudo começou a desmoronar, realmente.

A professora de Sociologia tentava explicar algo, enquanto os alunos não calavam a boca, falando sobre coisas fúteis. Isso sempre me irritava. Tínhamos apenas uma aula por semana, era uma das poucas matérias que eu fazia questão de aprender e eles simplesmente não deixavam a aula fluir.

Mas por fim, todos se calaram quando a coordenadora chegou na sala. 

Eu estava tranquila, até perceber que todos olhavam para mim, e que ela tinha me chamado para ir à diretoria. Apesar de tudo, tentei manter a calma. Porém o pior passou pela minha cabeça.

Me descobriram. Era tudo que eu conseguia pensar. E minha intuição não falhou, infelizmente.

Eu, mais tarde, tentei lembrar o que havia acontecido na sala da diretora naquela manhã. Mas foi tudo um borrão.

Ela começou a falar de hackers invadindo o sistema da escola, alteração de notas, e pessoas suspeitas. Algo sobre meu computador. 

Rastrearam que as mudanças haviam sido feitas do meu computador. 

Ela disse algo sobre a polícia envolvida, e de repente o ar não parecia entrar nos meus pulmões. Quando ela percebeu meu eminente ataque de pânico, tentou me tranquilizar. Mas minhas vistas já estavam borradas com as lágrimas. 

Chorar em frente a diretora da escola quando você sabe que errou feio. Humilhante.

-Não posso deixar isso passar, Lilian. -A diretora tentava achar um meio-termo entre gentil e dura. -O que você fez não é apenas um delito. É ilegal. Sabe que se isso vazar, não só vai mal pra você, mas também para o nome da escola, certo? Por isso, quando a investigação acabou, pedimos a polícia para deixar nós tomarmos as devidas providências, já que era, claramente um aluno menor de idade da escola.

Eu apenas balanço a cabeça em concordância, olhando pra baixo. Tentando assimilar o que estava acontecendo.

-Conversei com o conselho da escola, alguns professores, e até alunos, para resolver o que fazer no seu caso. Sem expor você, claro. Poucas pessoas sabem o que aconteceu, muito menos que foi você.  Você sempre pareceu uma aluna comum, nunca deu problemas, professores e alunos me contaram. Não consigo entender o porquê dessa sua atitude, sendo que claramente você tem capacidade para estudar.

Você não entende o inferno que se passa na minha mente. Eu queria responder, mas achei melhor não. 

-Você vai me expulsar? -Finalmente pergunto, formulando algo para dizer. Acho que essa era a maior questão em jogo. Já que pelo menos não teria que passar pela polícia com meus pais.

Ela solta um longo suspiro.

-Olha, pela gravidade do que você fez, eu deveria. -Assim que ela diz isso, sinto um buraco sendo aberto no meu peito. -Porém, como eu disse, é uma situação que pode manchar a imagem da escola, e o que eu menos quero é isso. Por isso, expulsá-la, sem um motivo plausível, iria parecer suspeito, e no mínimo, estranho. Então, não, não vou expulsá-la.

Eu respiro aliviada, fraquejando.

-Mas não vá achando que não vai ter punição. Já comuniquei seus pais, eles estão vindo pra cá. -O buraco em meu peito volta se formar, dessa vez mais rápido e maior. Estou ficando sem ar. A visão embaçada. -Vou conversar com eles. Eles vão te levar pra casa. Suspensão de três dias. E mais, -Ela acrescenta apontando o dedo para mim. Agora ela realmente parecia zangada. Cansou de ser boazinha, e o pior de tudo, eu mereço. -Terá de refazer as provas da etapa, de todas as matérias. E farei questão de estarem em alto nível. Aproveite esses dias em casa, para engolir seus livros e ainda, tentar acompanhar a matéria que você vai perder.

Cruel. 

Não a punição, mas as palavras saindo da boca dela, cuspindo as em mim. Eu achei cruel. Provavelmente, foi apenas meu emocional, muito abalado como sempre. Porque eu sabia que eu merecia isso tudo. Eu vacilei muito.

Antes que eu pudesse falar qualquer coisa, a mesma coordenadora que foi até a minha sala dar a minha sentença de morte, bateu à porta da sala da diretoria, avisando a chegada dos meus pais. 

Prazer, a morte.


Uma vida vazia [COMPLETO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora