Capítulo 49

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Thomas

Eu estava totalmente aéreo quando voltei para casa.

Tinha falado "eu te amo" para Lily e descoberto todas aquelas coisas sobre a Amanda. Me sentia pesado, estranho e culpado.

Eu sabia que amava Lily, e sentia que era recíproco, mas falar em voz alta, depois que você para um pouco para pensar, é meio assustador. Mas ok, estou bem com isso.

Mas não, eu não estava bem com muita coisa. Amanda. Como eu pude ter um relacionamento de quase um ano e meio com alguém que eu mal conhecia? Com alguém que mal me conhecia? Nunca tinha parado para pensar o quão problemático isso era, e como nosso relacionamento foi.

É inevitável. Estou preocupado com Amanda. Estava com raiva devido a tudo que aconteceu, porém agora sabia os motivos, e me senti péssimo por sequer ter um pouquinho de rancor por ela. Quero abraçá-la e dizer que está tudo bem, que eu entendo. Mas não posso, e sei que nem devo fazer isso.

Penso em até mandar uma mensagem, no entanto pode piorar tudo.

Tenho que confiar em Lily e acreditar que fiz o certo, conversando com Laís que a aconselhou a conseguir ajuda. Não posso ficar pensando nos "e se's...". Mas é tudo inexorável e minha mente vira um borrão o resto do dia.

Eu poderia ter percebido. Poderia ter ajudado antes das coisas piorarem. Poderia ter impedido tudo que aconteceu para resultar na minha expulsão. Mas ai eu não teria conhecido a Lilian...

Tento não pensar. Então, penso. E tento, tento, tento...

Levo um susto quando a porta do meu quarto se escancara e meu pai aparece carrancudo.

Imediatamente abaixo o volume da música Heavydirtysoul do Twenty One Pilots, que estava na maior altura no meu computador. Sei que ele vai me xingar por isso.

-ABAIXA O VOLUME DESSA PORCARIA! -Eu já havia diminuído, mas ele não podia perder a oportunidade de me xingar. -Cheguei do serviço mais cedo e... Você estava chorando?

Nem eu mesmo percebi. Talvez eu tenha chorado o caminho todo da escola até minha casa, ou tenha começado quando deitei na cama, coloquei as músicas e deixei minha mente fritar. Era algo recorrente, mas não deixava meu pai perceber. Sempre havia tempo de lavar o rosto e desinchar, entretanto, Marcelo Túlio resolvera chegar cedo do trabalho hoje e foder mais um pouco com a minha vida.

Ele entra no meu quarto, chuta minha canela aproveitando que estou sentado e vulnerável, passa e me dá um forte tapa no rosto. Meu olho lacrimeja de leve, mais pelo sentimento do que pela dor. Isso não é nada comparado ao que já aguentei, mas estou num dia ruim.

-Homem não chora. Virou viado agora?

Fico calado. Não vou responder a duas frases, sexista e homofóbica, do meu pai. Era comum ele dizer isso, sim, mas desde que comecei a conversar mais com Lily e Catarina sobre essas coisas, tem se tornado cada vez mais complicado me segurar para não argumentar e começar uma revolução.

-E esse cabelo ai? Não acha que já está na hora de cortar não?

-Estou deixando crescer, pai. Já te falei.

Ele bufa. Não gosta da ideia de homem com cabelo grande, porém não chega a se incomodar tanto a ponto de me obrigar a cortar.

-Não tô com paciência hoje, Thomas. Vou sair. Tem comida na geladeira para você e seu irmão. Toma aqui um dinheiro. Leva seu irmão para cortar o cabelo essa semana, ok?

Assinto e pego o dinheiro. Tem mais do que o necessário para o corte, mas não reclamo; sei que vou precisar desse dinheiro depois. Também não pergunto para onde ele vai. Não é da minha conta, ele responderia. No entanto, hoje, tenho a sensação que algo diferente está no ar.

-Vou transar com aquela gostosa do serviço hoje, filhão. Ah, mas ela vai ver só...

Então ele sai do quarto e fecha a porta com força.

Meu estômago se revira. Acho que vou vomitar, mas me seguro.

Não, não. Eu vou vomitar mesmo.

Aumento rapidamente o volume da música, e vomito na lixeira que tenho no meu quarto ao som de Daddy Issues do The Neighbourhood. Que momento oportuno! 

Minha vontade é de rir e chorar ao mesmo tempo, mas não consigo fazer isso enquanto vomito meu café da manhã e única refeição do dia. Meu estômago agora dá fincadas porque está sem absolutamente nada. Porém não quero sair do meu quarto enquanto ele está aqui.

Quero avisar essa mulher, do trabalho do meu pai, para ficar longe dele, para correr enquanto ainda dá tempo, se demitir ou algo assim, mas não a conheço, não faço ideia de quem ela é. Na verdade, acho que não conheço ninguém que trabalha com meu pai. Se cheguei a conhecer, tem muito tempo.

Então só rezo para que nada dê errado. Não precisa dar certo, só não dê merda. Por favor, por favor, por favor. Já está tudo um inferno suficientemente.

De repente sinto a sensação mais estranha possível. Quero voltar para escola, onde eu sei que é seguro, onde eu posso estar com Lily, Catarina e outros adolescentes normais e fingir que está tudo bem e só estou indo para a escola porque é isso que garotos da minha idade fazem. Só vão à escola, só se preocupam com a escola. Puft, quem com 17 anos tem problemas reais?

Limpo minha boca com um rolo de papel higiênico que mantenho dentro do meu quarto para...bem, vocês devem ter uma ideia do porquê. Então bebo um gole de água da minha garrafa. Quente. Mas me recuso a sair do quarto.

Talvez essa moça torne tudo melhor, mais suportável. Tenho que pensar positivo, se não, vou enlouquecer. Afinal, já fazia algumas semanas que meu pai não me machucava para valer. Tinha até conseguido ficar sem camisa com Lily. 

Tudo bem, estava escuro no quarto aquele dia. Também tomei cuidado para ela não ver com cuidado minhas costas, porque aquelas cicatrizes jamais vão embora, creio eu. A dor também não.

Se eu tivesse tomado conta de Amanda, não teria sido expulso, não teria apanhado de cinto do meu pai, não teria essas marcas horrorosas nas minhas costas. Estaria bem com meu corpo. 

Tudo bem, talvez nem tanto. Estou um pouco abaixo do peso, mas quem liga?

Sinto o quente de algumas lágrimas descendo pelo meu rosto de novo, porém as limpo rapidamente quando ouço o chuveiro ligado. Meu pai está no banho. Posso sair do quarto agora, sem medo.


Uma vida vazia [COMPLETO]जहाँ कहानियाँ रहती हैं। अभी खोजें