Capítulo 53

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- Como assim eu não sou mais velha que você? 

- Faço 18 daqui 3 dias. 

- Nosso rela...Nossa amizade foi uma mentira.

Tensão.

- É, quando minha mãe morreu, sete anos atrás, eu tomei bomba.

- Então daqui 3 dias, no dia 28, você vai ter maioridade. -Minha mãe diz por fim.

Thomas assente.

- Eu acho muita sacanagem você não deixar visível o ano do seu nascimento no Facebook. Esse tipo de informação é crucial.

Thomas revira os olhos.

- Eu não denunciei meu pai antes por isso, ainda sou menor de idade e não poderia conseguir facilmente a guarda do Tyler. Meus pais foram filhos únicos, ou seja, não tenho tios. Meus avós paternos morreram, meus avós maternos estão fora do país desde a morte da minha mãe e tenho pouco contato com eles. Só algumas mensagens em datas especiais e olhe lá! A última vez que os vi foi na nossa única viagem para Los Angeles, três anos atrás. Meu pai fez questão de evitar contato. Acho que está bem claro do porquê. Não tinha como haver um guardião legal familiar, e se fosse alguém de fora da família o processo ia ser ainda mais burocrático, e eu morreria de medo só de pensar no que ele poderia fazer nesse meio tempo. Emancipação de menor? O sonho do meu pai. Me colocaria na rua sem pensar duas vezes e Ty ficaria sozinho naquela casa com ele. Meu medo seria ele aceitar, e meu medo seria ele não aceitar. Então nunca sugeri, apesar de pensar nisso muitas vezes. E ai temos o orfanato, que além de péssimas condições havia a chance de me separarem do meu irmão. Eu analisei todas as possibilidades infinitas vezes, eu juro por Deus. -Thomas tremia e chorava, mas falava com a força de um homem, sem pestanejar para os meus pais. -Mas sempre que eu considerava minimamente fazer algo a respeito, meu pai nos tratava bem, nos fazia um almoço gostoso com lasanha e direito a sorvete de sobremesa, jogava videogame com Ty e não ficava alcoolizado pela resto da noite. E por um momento, eu não poderia nos privar das pequenas coisas boas. Esse é o problema de um relacionamento abusivo, você deixa as mínimas ações positivas mascararem as ações negativas, e quando percebe, você está preso e a pessoa pode fazer o que bem entender com você.

Silêncio. Agonizante. 

Foi agonizante aquele ínfimo segundo ou minutos ou horas de silêncio que se estendeu após a fala de Thomas. Doeu em mim, muito. Sinto que por mais ajuda que buscássemos auxílio, nada apagaria as cicatrizes disso.

E havia ainda muitas perguntas a serem feitas, porém a ferocidade de Thomas deixava meus pais com um pé atrás. Mas minha mãe era audaciosa.

- Thomas, preciso saber, como sua advogada, por que hoje seu pai tomou atitude extremas e isso o fez vir pedir ajuda para Lilian?

Thomas riu com um quê de sarcasmo.

- Atitudes extremas? Eu já enfrentei coisas parecidas com isso. -Thomas se virou e levantou metade da sua blusa. Expondo longas cicatrizes em vertical na suas costas nuas. Como se alguém o tivesse chicoteado. Eu queria chorar e abraçá-lo nesse momento. - Ou pior que isso, sei lá. Fica a seu critério. E na real, não pensei muito antes de vir para cá; nem lembrava que a senhora era advogada, me desculpe. Eu só confio muito na Lilian, e nesse momento achei que ela poderia ser meu porto-seguro. -Ele sorri para mim e meu peito se aperta. Sorrio de volta. -Sai de casa nesta noite porque meu irmãozinho não merecia mais isso. Ty merece coisa melhor. Meu pai me bater, me espancar? Tudo bem, eu aguento. Meu pai ameaçar Ty? Jamais. Nunca mais. Eu protejo meu irmão. Ele surtou especificamente hoje, porque bem, Tyler achou que o Natal seria uma data especial para ele se assumir para o meu pai.

- Se assumir? -Meu pai pergunta confuso.

- É. Tyler tem um queda pelo melhor amigo dele, Rafael. Acho que com 10 anos ele já conseguiu distinguir a sexualidade dele. Mais precoce que alguns, mas, a coragem dele, o modo como ele falou...É algo que poucas pessoas tem, e talvez algumas nunca vão ter. -Thomas falou olhando seu irmão dormir, com o maior orgulho do mundo. -Ele é a razão de tudo. A razão de eu ainda tentar e não ter desistido de tudo.

A frase "desistido de tudo" implica tantas coisas, Tommy... Pensei.

Se com a constatação de que Tyler era gay incomodou meus pais, eles não demonstraram.

- Quero esquecer essa noite o quanto antes, mas mais do que tudo, quero que Ty a esqueça. A imagem do meu pai para ele nunca mais vai ser a mesma e me preocupo com o que isso pode causar...

- Nós vamos te ajudar, Thomas. -Minha mãe dá um abraço nele e ele retribui sem graça. - Você é um garoto muito forte.

- Obrigado. -Thomas diz com os olhos já marejados novamente.

- Relaxa, cara. A gente vai resolver isso tudo, ok? -Meu pai dá aquele abraço/aperto de mão que os homens dão, porque bem, homens.

- Mas agora sério, você deve estar muito cansado. Tome um banho, se precisar tem roupas do Dave no antigo quarto dele, coma um pouco da ceia e amanhã conversamos melhor sobre o que vamos fazer. Vou ligar para o irmão da Lily também, para ver se ele e Helena dão uma mãozinha para gente. Também são do ramo da Advocacia. E também vou ligar para um amiga minha que é assistente social pedindo umas dicas.

- Sério, muito obrigado. Mas não precisa incomodar ninguém por mim. A única coisa que eu exijo é a guarda do Tyler, apenas. E que nós fiquemos na cidade, e sem sair do país ou ter que fazer meus avós saírem dos EUA. Quero incomodar o mínimo de pessoas possível.

- Fica tranquilo, Thomas. -Minha mãe diz por fim. -Vai ser um processo um pouquinho burocrático, porém vou garantir que seja o menos conturbado possível e o mais rápido, ok? Acho improvável ter que incomodar seus avós, mas se quer uma opinião pessoal minha, deveria tentar entrar em contato com eles e conversar sobre o ocorrido. Ainda assim, pode ser um laço familiar que te ajude, e eles podem ficar felizes com isso. 

Dito isso, meus pais saíram do cômodo e foram curtir o restinho do Natal que ainda lhes restava, deixando um Thomas pensativo na sala. 

Ah, e ao som de "O Calhambeque", no final do Especial de Natal Roberto Carlos.

Uma vida vazia [COMPLETO]Nơi câu chuyện tồn tại. Hãy khám phá bây giờ