Capítulo 50

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Estou no ônibus, nervosa. Primeira consulta com a psicóloga. Tenho tanta coisa para falar que acho que vou me perder.

Estou ouvindo k-pop a caminho do consultório. Algumas músicas que a Lara da minha sala me indicou porque eu pedi. Ela era bem fã de alguns grupos coreanos e eu não conhecia muito o gênero. E bem, como uma boa futura estudante de Música, acho que devemos experimentar de tudo, não é mesmo? Até aquilo que não nos atrai.

Não espero muito tempo até ser atendida pela doutora Junia, minha psicóloga, quando chego. Mesmo assim, tinha vindo preparada com um exemplar de "O Pequeno Príncipe" que Thomas havia me emprestado. Assim como "Tartarugas Até Lá Embaixo" estava cheio de marcações, coisas escritas, e ainda mais desgastado pelo tempo. Queria abraçar aquele livro. Estávamos lendo os livros favoritos um do outro, o que eu achei um máximo. Ele, finalmente, havia começado a ler "Por Lugares Incríveis", e eu permiti que ele fizesse o que quiser com o meu livro. Eu realmente devia estar cega de amor. 

Entro na sala da Dr. Junia e já gosto do lugar. É aconchegante, com várias sofás para escolher onde me sentar, almofadas, quadros, e tem um vista linda para todo o centro da cidade. Me sento no sofá maior. Ela me recebe sorrindo, deve ter em torno dos seus 40/50 anos, é loira, magra e me lembrava muito a Marília Gabriela. Comentei isso com ela para já criar assunto.

-Sério? Obrigada! É a primeira vez que me dizem isso. -Ela agradece, mas não rende. Quer saber sobre mim. -Conversei com seu pai antes de você vir aqui. Ele é casca grossa, hein?

-É, é difícil algumas coisas entrarem na cabeça dele. mas tem um bom coração.

-Ah, com certeza! Ele parece querer muito ajudar você. Então, eu vou ser ser esse meio, ok? Então Lilian, o que te traz aqui? Como anda se sentindo?

-Faz pergunta difícil não... -Eu suspiro.

-Por que é uma pergunta difícil?

- Acho que é porque tudo está sendo difícil ultimamente.

- Consegue descrever como?

Está ai. A tática do psicólogo. Perguntar tudo. Absolutamente tudo. Como se fosse sua primeira aula de filosofia. O pior de tudo? Funciona. Principalmente quando você guarda tudo para si. As palavras simplesmente jorram. E eu nunca fui uma mestre em esconder o que estava sentindo.

-Não sei... Só não sei lidar com as coisas a minha volta, com críticas, com preconceitos, parece que o mundo só fica mais feio, e eu sei que eu deveria parar de ser tão negativa, mas droga! Aquelas merdas do Facebook e escola não ajudam, sabe? Parece que eu só faço e falo coisas erradas. Eu queria acertar. Ser boa em algo. Mas nem o que eu amo, que é Música, acho que não sou boa o suficiente. E ser gorda no ensino médio? Poxa, eu nem sei como tenho Thomas ao meu lado, nem Catarina. Não mereço eles. Não sei como Thomas me acha atraente. Não que eu seja feia de doer, mas não faço o tipo de garota que, ah você sabe...Queria dizer que não chamo atenção, mas sei que chamo pelo meu tamanho. E tipo, isso me faz ser tão estabanada! Pareço uma palhaça gigante, queria poder ser pequena e me encolher. Tenho esse medo de não ser boa o suficiente em tudo, que toma conta de mim e faz minha cabeça ficar em espirais e loopings  infinitos. Ainda mais com meu irmão, Dave, que é perfeito! Como competir com um delegado, quando se quer Música? Poxa, me ajuda aí! Só sei que raramente me sinto confortável em algum lugar, às vezes quando estou com Thomas. Mas não posso depender dele, sei disso. Essa agonia que vem e vai, mas sempre fica, tá escondidinha ali na minha cabeça, pronta para atacar quando fico relaxada. Não consigo respirar mais, mesmo respirando. Perdi as contas de quantas crises de ansiedade tive nos últimos...

E fui falando, falando e falando. Em algum momento eu tinha começado a chorar e provavelmente estava com o rosto todo vermelho, olhos doendo e soluçando. A psicóloga me deu um copo d'água mas deixou que eu continuasse. Não sabia quanta coisa estava carregando até falar isso tudo. E pior que não falei, não falei tudo, porém vai haver mais sessões, e não me sinto preparada ainda para falar sobre aquilo. 

Quando terminei de falar tudo, eu me senti tão leve, de uma forma que não me sentia a muito tempo. E quando Dr. Junia me respondeu, de forma breve, pois o tempo da sessão já estava quase acabando, ela falou com tanta calma, tranquilidade e sabedoria que me senti até boba por algumas coisas que falei; e quando comentei isso com ela, falou que eu não deveria banalizar meus sentimentos, e sim tentar entendê-los. Estou tentando, ou pelo menos, vou tentar agora.

Dr. Junia pediu para eu ir vê-la uma vez por semana por enquanto, porque ando muito ansiosa e me passou alguns exercícios de respiração, e que devíamos trabalhar minhas inseguranças nas próximas sessões, e se achasse necessário chamaria meus pais para conversar também. Eu sabia que isso ia acontecer em algum momento, mas não agora. Preciso de um tempo. É só o começo. 

Uma vida vazia [COMPLETO]Where stories live. Discover now