Capítulo 19

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Thomas

Breno me deixou em casa. Olhei no celular antes de entrar. Estava faltando 10m para 7h. Com sorte meu pai não acordaria. Era sábado, Marcelo Túlio não era obrigado a trabalhar na marcenaria aos sábados. E também tem sono pesado, muitas vezes conhecido como coma alcoólico. Eu só não deveria fazer muito barulho.

Ainda assim, fiquei um pouco apreensivo. Minha casa só tinha o andar térreo, ou seja, era muito difícil fazer qualquer coisa em qualquer cômodo sem o outro notar.

Por sorte consegui. Na hora de passar pela porta do quarto do meu pai prendi até a respiração, e andei na ponta dos dedos. Por precaução, é claro.

Abri a porta do meu quarto com cuidado e fechei. Me joguei na cama e pensei em tudo que ocorreu nessa noite. Que loucura...

Lembrei de Lily bebendo. Lembrei de Lily bêbada. Lembrei de Lily dançando. Lembrei do corpo dela junto ao meu enquanto dançávamos. Lembrei do momento em que nos beijamos... Se eu não estivesse tão bêbado e cansado, poderia até ter feito outra coisa com esses pensamentos, mas o cansaço foi maior, e peguei no sono com essa garota na minha cabeça. E eu dizia pra mim mesmo: "Amanhã você resolve esse bagunça. Essa noite você pode pensar nela."

                                                                                         ***

Acordei, e logo meu coração disparou. Tyler.

Vi que já era horário de almoço, Ty estava acordado e meu pai também. Não pude deixá-lo na casa de Rafa esse fim de semana. Era demais dois fins de semanas seguidos. Então brinquei com a sorte e sai de casa quando ele já estava dormindo e torci para meu pai estar num bom dia.

Eu sei que se for um dia relativamente agradável meu pai não agrediria ele, apenas seria desagradável talvez, mas a ideia de deixá-lo sozinho ainda me perturbava.

Ontem eu sabia que meu pai chegaria tarde do trabalho, Tyler estaria dormindo. Eles não iam interagir entre si, mas acordei tarde hoje. Merda.

Troco de roupa rápido e vou para a cozinha. Tyler está almoçando na mesa junto com meu pai.

-O pai fez lasanha, Tom! 

-Legal, vou comer!

Peguei um prato e me servi. Assim que fui sentando a mesa, meu pai disse:

-Dormiu tarde ontem, né? Já que estava deitado até essa hora...

Era uma pergunta, não uma afirmação.

-Que nada. -Engoli em seco. -Só estava cansado mesmo, acordo muito cedo pra ir para aula.

-Hum.

Depois disso ficou um silêncio horrível, até que finalmente meu pai se levantou e jogou o prato sujo na louça.

-Vou cochilar agora. Quero essa cozinha um brinco quando eu acordar. E vou ver o jogo às 16h, então nada de usarem a TV nesse horário.

E foi para o quarto. Soltei um suspiro assim que ouvi a porta bater.

-Joga videogame comigo, Tom? 

-Claro, Ty. Mas antes tenho que arrumar a cozinha, ok? Pode ir jogando sozinho.

Ele deu de ombros e foi para a sala. Comi a lasanha sem fome, quase a contra-gosto. Tudo era tão insuportável com meu pai, era tudo muito extremo. Ou ele era agressivo, explosivo, ou frio e chato.

Respirei fundo e fui arrumar a cozinha.

                                                                               ***

Estava jogando videogame com Tyler, quando vi que já eram 15h30. Já me preparei para desligar a TV e desconectar o aparelho quando Ty começou a choramingar.

-Eu tenho que fazer isso. Ele quer ver o jogo às 16h. Você sabe o que acontece se a gente deixar ele com raiva.

Ty ficou calado e com uma cara tristonha.

-Mas que tal a gente ir dá uma volta, na pracinha aqui perto, tomar sorvete? 

O rosto dele se iluminou e logo ele começou a gritar vários "SIM!SIM!SIM!". Era incrivelmente fácil agradar uma criança da 10 anos. Tudo valeu a pena.

Então, peguei minha carteira e graças a Deus tinha algum dinheiro. Como eu disse, meu pai era péssimo, mas fazia seu papel em casa, me dava certa quantia de mesada para eu me virar e não ter que ficar pedindo as coisas para ele, o que na minha opinião, tornava as coisas menos insuportáveis.

Também peguei meu violão. Eu sabia que Tyler adorava quando eu tocava pra ele.

No caminho da pracinha Tyler tagarelava muito comigo, sobre tudo. Acho que isso era devido a pouco atenção na família que ele tinha, parentes distantes, mãe morta, pai cretino, essas coisas. Então eu tinha que ser o irmão legal pra variar, e evitava ao máximo conflitos com ele.

Sentamos em um dos bancos da pracinha e eu comecei a dedilhar algumas cordas, sem saber direito o que tocar. Então lembrei da última noite. Lily...

Toquei a música Ride, do Twenty One Pilots, e até me arrisquei em cantar algumas partes. 

Algumas garotas passavam e olhavam, e até sorriam. Mas aquele momento era meu e do meu irmão. Sem falar, que já havia outra garota na minha cabeça.

Quando parei de tocar, Tyler até se levantou e aplaudiu.

-Você é o melhor! Melhor música! -Ele correu e me abraçou.

Eu ri e abracei ele também. 

Ty era meu maior fã. Provavelmente nem conhecia a banda, nem a música, e com certeza não entendeu a letra, mas me apoiava. Eu o amava muito.

-Tenho que te contar uma coisa, Tom. -Disse ele se afastando e de repente seu rosto ficou sério.

-O que foi? -Perguntei preocupado.

-Estou gostando de uma pessoa. 

Suspirei, de tão aliviado que estava. Achei que era algo mais sério. Porém mesmo assim, era algo importante para ele aquilo, primeira paixão e tal, então entrei no assunto.

-Eu conheço? Quem é?

-É o Rafa.-Ele disse timidamente.

Meu peito despencou.




Uma vida vazia [COMPLETO]Where stories live. Discover now