Capítulo 22

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Olho para os dois garotos na minha frente, sem saber como reagir. Meu cabelo deveria estar parecendo um ninho de ratos, a cara amassada por ter dormido, e ainda toda suada por ter corrido mais cedo.

- Entrem, e... fiquem à vontade!

Eu não sabia receber visitas. Eu estava no mínimo, desesperada. Então liguei a TV, mandei eles ficarem no sofá e disse que precisava tomar banho. Eu não sabia quem estava mais sem jeito, eu ou Thomas, e seu irmãozinho parecia achar graça de tudo aquilo.

Entrei no banho quente. O que não ajuda muito a acordar, mas se o garoto que você está afim aparece subitamente na sua casa num domingo, você não precisa se preocupar muito com isso.

Sai do banho com os cabelos molhados e tentei escolher uma roupa em que eu não parecesse uma mendiga.

Ouvi Thomas e Ty discutindo, mas logo que entrei na sala, eles pararam.

-Tá tudo bem? -Perguntei para eles me sentando em outro sofá.

-Não é nada. Olha, eu queria me desculpar por aparecer assim. Eu te enviei uma mensagem, mas você não visualizou, e mesmo assim meu irmão insistiu e me arrastou pra cá. Desculpa.

Antes que eu pudesse falar algo, Ty interferiu.

-Eu não arrastei você pra cá! Eu nem sei o endereço! Veio porque quis.

Segurei para não rir da língua afiada do garoto.

-Vim porque alguém ia reclamar o dia inteiro comigo por não ter vindo.

Tyler ficou calado, porém acabou sorrindo.

-Que horas são? -Perguntei.

-Não sei. 11h, eu acho. -Respondeu Thomas.

-Já almoçaram? Porque sinto-lhes informar que a única coisa que tem pra comer é lasanha e pipoca de microondas.

-Pipoca! Vamos ver filme! -Animou-se Ty.

Eu e Thomas nos entreolhamos, e como era um domingo e havia vários nadas para fazermos, pensamos: "por que não?".

Deixamos Ty escolher algum filme e fomos para cozinha preparar algo para comer.

-Você deve estar me achando super invasivo. -Comentou Thomas, se escorando na pia. Eu fico de frente pra ele. -Aparecer assim do nada.

-Ah, estou surpresa, só isso. -Falei sorrindo. -Mas de uma forma boa. É legal ter companhia às vezes sabe, fico muito sozinha.

-Sério? Já ia te perguntar mesmo isso. Onde estão seus pais?

Eu suspirei e cruzei os braços, era um assunto que eu não gostava de falar, mas por algum motivo eu queria me abrir com Thomas e contar para ele sobre minha vida.

-Bem, eu também tenho um irmão, só que mais velho. O nome dele é Dave. Ele é delegado em uma cidade do interior, aqui perto. E mora em um sítio com a namorada de longa data dele, Helena. E meus pais quase todos os finais de semana vão pra lá.

-E por que você não vai?

Havia um milhão de motivos para aquilo. Então apenas dei de ombros, no entanto, logo vi que desatei a falar.

-Sei lá, prefiro ficar aqui, ter a casa só pra mim é bom às vezes. Porém solitário, mas eu gosto de ficar sozinha, então, é bem confuso.

-Eu entendo. -Ergui as sobrancelhas duvidando, então ele continuou. -É bom ter um tempo para você mesmo, mas estar sozinho significa estar sozinho com os próprios pensamentos, e é aquele ditado, nada mata um homem mais rápido que sua própria mente.

-Citando Twenty One Pilots, é?

Ele sorriu e continuou.

-Pode se dizer que sim, mas é uma verdade. Estar sozinho é bom, mas se você faz isso com muita frequência, acaba de fato se sentindo sozinho,  e se sentir sozinho é uma merda.

-É, creio que eu estou com esse problema ultimamente. -Pensei alto. Thomas me encarou esperando que eu continuasse. -É só que, eu não sei qual das duas formas é pior. Estar com minha família e me sentir cercada por pessoas que só se importam com coisas fúteis e tem conversas superficiais. Ou estar sozinha, e ir até o profundo da minha mente e acabar descobrindo coisas sobre mim mesma que às vezes me assustam.

-Os seus pensamentos te assustam?

Concordei com a cabeça baixa.

-Nem me deixam dormir também. -Digo em voz baixa.

Pairou um silêncio desconfortável e pesado. Subitamente sinto um nó na gargante. Thomas deve ter percebido e mudou um pouco o rumo do assunto.

-Seu irmão é legal? Quer dizer, ele é delegado. Deve ser bem ocupado.

Parei e pensei por um momento. Dave era perfeito, e por isso que pra mim ele não era legal. 

Quero dizer, eu amo meu irmão, e ele era legal comigo, ok. Mas era como se ele fosse o orgulho da família e eu tinha que seguir o exemplo dele, e aguentar todas aquelas comparações era um saco. Parecia que eu nunca era suficiente para os meus pais e eles quase nunca tinham tempo para mim, e o tempo que lhes restava, ia para Dave. 

E vale ressaltar, amo meus pais, mas como qualquer ser humano, eles tinham seus defeitos. 

Dói o coração de lembrar: "Mãe, pai, vamos ao cinema comigo esse fim de semana?" "Desculpe, vamos ir ao sítio do seu irmão." E isso não acontecia uma vez, eram várias. E eles me chamavam para ir também, só que eu não queria estar lá, eu queria estar aqui, com eles, apenas um tempo com eles. Em alguns dias da semana eu mal via eles, pai, empresário e mãe, advogada. Ocupados.

Então, para a resposta de Thomas, eu apenas dei de ombros.

- É, sim. Apenas igual a todos os irmãos.






Uma vida vazia [COMPLETO]Kde žijí příběhy. Začni objevovat