Capítulo 42

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À noite, quando meu pai chegou, bem depois que eu e minha mãe jantamos em silêncio, ouvi ele e minha mãe conversando no quarto. Às vezes é uma droga ter o seu quarto tão perto do seus pais.

-Por que chegou tão tarde? -Ele sempre chegava tarde e minha mãe insistia em perguntar todos os dias, apesar de saber o motivo: trabalho, trabalho, trabalho.

-Hoje o pessoal do escritório me deixou louco. Tive que ficar até tarde. -Pai empresário, mas ainda sim ligado ao ramo de advocacia. Será que esse curso algum dia me deixaria em paz? Mãe, pai, irmão, melhor amiga. Se Thomas me disser que quer ser advogado ou juiz, não vou ficar surpresa. 

Bem, pelo menos eles querem fazer do mundo um lugar melhor. Diferente de você, Lily. Egoísta.

-Lilian me contou hoje que quer começar a ir ao psicólogo.

-Como assim? Aconteceu alguma coisa?

-Não sei, Luiz. A Lilian sempre foi muito fechada. Ela não me disse nada.

-Será que é bullying? 

Errado, pai. Deveria ter feito essa pergunta 5 anos atrás, quando as pessoas ainda julgavam umas as outras sem ser disfarçado de piada ou conselho. Máscaras. Vivemos fazendo isso e nem percebemos.

-Não sei, pode ser. Estou preocupada. Ela chorou muito hoje, ficou até sem ar!

-Será que foi uma crise de pânico?

-Ah por favor né, Luiz! A Lily não tem essas coisas de gente problemática!

Por favor, mãe. Não diga isso. Quero gritar.

-Não estava aqui para ver, pode ter sido. Não sei. Sempre achei a Lilian muito ansiosa. Pode ser algo.

Posso visualizar minha mãe revirando os olhos. Meu pai sempre foi mais calmo e paciente com essas coisas. 

-É só uma fase. Sabe como são esses adolescentes hoje em dia. Estou preocupada porque a Lily nunca foi disso, sempre foi uma garota tão boa...

E apesar de toda a impaciência e ignorância que minha mãe demonstra, esse elogio me esquenta como seu abraço. Um elogio. Finalmente algo bom.

-Ela se esforçou muito para recuperar as notas perdidas. Deve ser por isso. -Continua minha mãe. E novamente, deixo-me ficar agradecida pelo seu elogio e reconhecimento.

-Ela fez o que fez por algum motivo, Maria. É isso que temos que pensar. Pode ser daí também.

Meu pai, sempre observador.

-Vou olhar o que posso fazer com meus antigos contatos no hospital e ver se tem algo no nosso plano de saúde. -Meu pai disse por fim, e finalmente solto o ar que não percebi que estava prendendo. Esperando uma resposta.  -Vou conversar direitinho com a Lilian amanhã sobre isso. 

Droga.

***

Meu pai acordou junto comigo de manhã, e fez praticamente as mesmas perguntas que minha mãe antes de eu ir para a escola. Respondi com frases pensadas e decoradas ao longo da noite mal dormida. "Como você se sente, Lilian?"  Ele fez essa pergunta tantas vezes que nem se eu quisesse conseguiria colocar em palavras. Não tem como pai, eu apenas sinto, sinto demais.

Se eu pudesse, te mostraria minha playlist no Spotify recheada de músicas sobre jovens decepcionados e deprimidos com a vida chamada "Whatever Life" ou "Tanto faz a vida", como quiser traduzir. Mas acho que, ainda assim, você não entenderia. Não tem como entender. Apenas sentir.

Uma vida vazia [COMPLETO]Where stories live. Discover now