Capítulo 23

516 47 8
                                    

Thomas

Lily falou brevemente sobre seus pais e sua família, entretanto percebi que ocultava muitas coisas. Várias dessas coisas, talvez, nem ela entendesse, e com medo de eu também não entender, não falava nada.

Eu poderia ter ficado de bico fechado, e apenas concordado. Afinal, eu já não tinha os meus problemas? Mas então eu olhava para ela, e para aqueles olhos perdidos e sentia a necessidade de salvá-la, de seja lá qual inferno que ela tinha em sua mente. Mas no fundo com a esperança dela também me salvar.

-Olha, família é uma coisa complicada. A minha também é cheia de problemas. -Continuei a conversa. Agora não tinha como voltar atrás.

Ela me olhou de repente com um interesse redobrado, carregado de curiosidade. Era a primeira vez que eu falaria diretamente da minha família. Eu sempre evitava esse assunto quando conversava com ela, porque eu tenho essa extrema vontade de me abrir com ela e contar tudo, mas lembro que ela não é obrigada a carregar os meus problemas nos ombros e logo volto atrás.

Então me seguro. E conto a versão simples da história.

-Minha mãe morreu de câncer de mama, quando eu tinha 10 anos.

Lily parou por um tempo pensando no que ia dizer.

-Meus pêsames. -As palavras saíram estranhas da sua boca. Como se ela mesma não gostasse de usar aquela frase, já que era um clichê. Mas realmente não havia muito o que dizer.

-Tudo bem. -Não estava tudo bem. Mas apenas dei de ombros. -As coisas ficaram difíceis depois disso. Meu pai é um cara difícil de lidar. Mas melhorou com o tempo. -Não melhorou nada. Eu estava mentindo na cara dura e não me sentia bem com isso.

Lily continuou a me olhar, esperando mais informações sobre mim.

-Há dias que são um saco, e eu quero sumir. Mas também, há dias que são dias. -Olho para Ty, que estava na sala nesse momento escolhendo o filme. A pessoa responsável por todas as minhas forças. Eu o amava tanto, e queria protegê-lo tanto.

-Há dias que são dias. -Concordou Lily. -Eu só não entendo uma coisa. Você várias vezes citou "pais" em algumas conversas, sendo que...

-Para evitar perguntas. -Dei de ombros. -Não sou de me abrir muito. Na verdade, não tenho pessoas próximas a mim o suficiente para me abrir. Amigos, por exemplo.

-Eu não sou sua amiga? -Perguntou Lily com deboche.

-Só amiga? -Falei me aproximando dela.

Ela apenas sorriu, sem saber direito o que dizer.

-Sua mãe. Como ela era? Sabe, antes.

Eu sabia que ela tinha pensado muito antes de fazer essa pergunta. Medindo se seria invasivo demais ou não. Se fosse outra pessoa, eu provavelmente ficaria na defensiva, mas com ela não. Eu me sentia confortável.

-O nome dela era Rosa. -Sorri, ao falar o nome da minha mãe. -Ela nasceu nos Estados Unidos, mas veio pro Brasil quando era bem jovem. Foi professora de inglês e música.

-Então quer dizer que você é meio americano?-Lily ficou curiosa.

-Talvez um pouco, mas não tanto.-Expliquei rindo. -Meus avós maternos são brasileiros. Foram viver lá, procurando melhores condições de vida, como qualquer outra pessoa, e assim que tiveram a filha voltaram pro Brasil, porque queriam criar ela aqui. Mas assim que a filha morreu, eles voltaram pra lá. 

-Eles moram em Los Angeles? Você disse que foi para lá...

-É, mas já tem um bom tempo desde a última visita...

-Sério? Então a história da maconha...-Ela começou e eu dei um sorrisinho. -Seu mentiroso!-Ela me bateu, fingindo estar com raiva. Eu aproveitei o aproximamento repentino e a segurei pela cintura. Ela parou e ficou me encarando, o sorriso diminuindo aos poucos, e a tensão entre nós aumentando.

-É que eu queria impressionar uma garota. -Fui me aproximando dela. As bocas quase se tocando.

-ESSA PIPOCA NÃO VAI SAIR NUNCA, NÃO? VOCÊS TÃO PLANTANDO MILHO OU O QUÊ?

Ouço Tyler gritar da sala, interrompendo o clima e o nosso quase segundo beijo.

Lily se afastou sem graça com a cabeça baixa, e foi pegar a pipoca. E então, voltamos para a sala. Mas agora, o clima era outro.


Uma vida vazia [COMPLETO]Where stories live. Discover now