Capítulo 48

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Fico preocupada com Thomas o resto da aula, mas ele me garante que está bem depois de beber um pouco de água e secar as lágrimas. Os olhos dele ainda estão vermelhos, o rosto também está vermelho e um pouco inchado, mas ele não liga. Abaixa a cabeça e dorme o restante da aula. Tento prestar atenção, mas meu olhar sempre volta para ele. 

Então acabo me sentando perto dele no último horário, que é Artes, e a professora não liga muito para o que fazemos (infelizmente). Faço cafuné na sua cabeça e ele beija minha outra mão livre como que em agradecimento.

-Quer que eu vá para sua casa hoje à tarde? Não tenho nada para fazer... -Falo em seu ouvido.

Algumas pessoas nos olham. Meninas dão uns olhares tortos, meninos dão sorrisos maliciosos. Ouço alguém gritando "CASAL", mas ignoro. Era uma das poucas vezes que demonstrávamos afeto em sala. Eu ainda não sei se acho irritante esses comentários, ou fico feliz por de fato serem reais, então ignoro.

- Não precisa. Estou bem. -Ele responde e vira o rosto, ainda deitado na mesa e me encara. -Te amo.

E vira o rosto para dormir novamente.

Fico paralisada por um momento. Quero dizer algo. Quero dizer que é recíproco. Mas foi tão rápido e fiquei tão atordoada que perdi o timing, e parece que se eu respondesse agora seria como obrigação. Então continuo fazendo cafuné, ainda com os olhos arregalados, pensando o que devo dizer.

No final da aula, Thomas acorda com o sinal da saída e se espreguiça. Somos os últimos na sala para guardar nossos materiais.

Quando ele se levanta, já com a mochila nas costas para ir embora, eu o seguro e o beijo. 

-Só quero que saiba que eu te amo também, ok? Estou aqui. Fale comigo.

Ele segura meu rosto e me olha com olhos tristes.

-Não precisamos desse estardalhaço por apenas três palavras, certo? É só um fato, um cumprimento. Como oi, bom dia, o céu é azul, Thomas ama Lilian e é isto.

Eu rio e ele me dá um selinho.

-Mas falo sério. Estou aqui. Não carregue o peso todo sozinho. Até porque você não tem peso. Não foi sua culpa.

Ele apenas suspira e tenta se afastar, porém eu o seguro

-Falarei mil vezes se for preciso. Não foi sua culpa e eu te amo.

-Às vezes acho que não te mereço. -Ele fala tão baixo, que se não estivéssemos a centímetros um do outro eu não ouviria. 

Não sei o que falar diante disso. Como ele acha que não me merece? Eu que não merecia aquele garoto! Lindo, inteligente, sarcástico, sensível, compreensível e mais um zilhão de coisas. Ele parecia idealizado demais para ser real.

A tia da limpeza nos interrompe com uma tosse nada sutil, e é a deixa para Thomas me dar um rápido selinho e sair em disparada pela porta, se livrando de continuarmos a conversa. 

Suspiro, e ando lentamente até o ponto de ônibus.

***

Chegando em casa vejo minha mãe e meu pai na cozinha, preparando o almoço. Não é uma cena incomum para uma segunda-feira. Eles geralmente tentam pegar serviço depois do horário de almoço para poder ir embora do sítio do meu irmão de manhã, e aproveitar o domingo em paz, como eles dizem.

-Ei. -Digo ao entrar.

-Lily. Cortou a franja! -Diz meu pai, se sentando à mesa, se preparando para comer. -Como foi o fim de semana?

-Bom. Catarina ficou aqui. Ela que fez o corte.

-Sua mãe comentou. Você está bem?

Estranho a pergunta. Depois entendo. Falei que queria ir no psicólogo.

-Ah, estou sim. E vocês? Como está Dave e Helena?

-Estamos bem, filha. -Diz minha mãe, e ela me abraça. Eu retribuo. -Está linda com a franja, tem que usar mesmo essas coisas quando ainda é jovem! Sentimos sua falta. Principalmente Dave. Só fala de você e como você nunca vai lá.

Um sentimento de culpa se instala. Eu sei que deveria visitar Dave mais vezes, porém sempre me sinto muito deslocada lá. Não sei por que. Só não pareço me encaixar enquanto minha família se diverte junta.

Mas tenho uma família, que se importa comigo. Do jeito deles, mas eles se importam, e eles me amam. Catarina me ama. Thomas me ama. Tenho sorte. Muita sorte.

Um nó se forma em minha garganta e meus olhos ficam marejados. Agora não.

-É, a escola, sabe como é. -A resposta que sempre dá certo.

-Eu sei, eu sei. -Ela me solta e se senta para comer. -Vai colocar sua comida também, deve estar morrendo de fome.

Seco as lágrimas discretamente para não perceberem. Me sento à mesa junto a eles.

-Lily, lembrei! Consegui adiantar sua consulta com o psicólogo. -Meu pai comenta.

-Para quando? -Tento esconder o leve desespero em minha voz.

-Terça. Sem ser amanhã. Na próxima. Durante à tarde. É no centro. Ela foi indicação de outra amiga minha que trabalhou comigo nos meus tempos de enfermeiro, dizem que é ótima. Pode ajudar você a escolher carreira e tudo mais. 

-Parece ótimo. Mas já sei o que quero fazer. -Nem percebi o que disse, de onde eu tirei essa coragem, mas disse. Agora encare.

Meus pais trocam olhares surpresos, com as sobrancelhas erguidas. Como se eu não estivesse ali.

-E o que é então? -Pergunta minha mãe, já desconfiada, e me arrependo profundamente por ter tocado no assunto. Sem voltar atrás agora.

-Estive pensando que quero cursar Música. Acho que vou tentar entrar na federal daqui. Quero saber mais sobre o assunto, sempre gostei de cantar, meu violão está meio parado mas estou animando a aprender a tocar e... -Sou cortada imediatamente.

-Tá, mas isso dá dinheiro?

-Você acha que consegue viver disso, Lil? -Quando meu pai me chama assim é como uma facada no coração. Vejo dúvida nos olhos dos dois. Tudo bem, já esperava por isso, mas mesmo assim...

-Bom, é um mercado difícil, claro. Mas tem várias opções sabe...

-E põe difícil nisso! Tem que ter muita sorte minha filha, e dinheiro para querer essas coisas. -Diz minha mãe. E não sei se ela está com raiva ou com pena, talvez os dois. -Eu e seu pai vivemos bem, mas não somos ricos. Você precisa arrumar algo que dê dinheiro.

Meus ombros caem. Abaixo a cabeça. Não vou chorar. Não vou. Não na frente deles.

Diante do meu silêncio, eles voltam a comer. No entanto, minha mãe sempre tem um maldito comentário a fazer. Não consegue calar a droga da boca por muito tempo.

-Devia seguir o exemplo do seu irmão. Uma carreira sólida, estudar de verdade e depois que você juntar um dinheiro, pode pensar nesses seus hobbys ai... -Ela tenta falar casualmente, mas me fere tanto que juro que posso sentir que é a intenção dela.

Não falo mais nada, mas deixo uma lágrima escorrer e pronto, é o fim do mundo.

-Você está chorando Lilian? -Minha mãe pergunta, mais como uma acusação, do que preocupação.

-Lily, calma. Só estamos te aconselhando. Você chora por qualquer coisinha, estou preocupado! -Meu pai diz.

-Desculpa. -Falo baixinho secando as lágrimas.

-Não dá para conversar com você assim. -Minha mãe se levanta e vai para a cozinha lavar a louça.

-Bom, o psicólogo está marcado. É melhor você mudar, mocinha. Só queremos o seu bem, ok? -Meu pai se levanta, acaricia meu cabelo e vai para o trabalho.

Me sinto mal e bem ao mesmo tempo. Porque, por mais que tenho pais que me amem e se preocupem comigo, eles não me entendem, e isso machuca demais. Contudo, eu não devia ficar tão triste por isso. Nem eu me entendo.


Uma vida vazia [COMPLETO]Where stories live. Discover now