nós precisamos ficar juntos

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Às vezes sou apático comigo mesmo. E numa tentativa de consolação, eu penso: que se foda a moral e ética e a existência e coisas mais. Vou fazer o que quiser, o que der na telha, vou ser feliz de alguma forma. No entanto, no segundo seguinte, percebo que seria ridículo. Depois volto: por que minha felicidade seria ridícula? Porque é, meu outro lado completa. E eu passo boa parte da noite nisso, refutando todos os meus pensamentos numa intensa guerra interna e dolorosa.

Eu cumprimentei a tia de Josh com um sotaque canadense, já que ele me ensinou. Ela sorriu para mim, é meio baixinha, porém parece ser simpática. Trocamos um par de palavras, após Beau informar que eu tinha que ir, mas acredito que ela não tivesse muito o que me dizer a não ser boas vindas. Porém, quando me afastei, seu olhar sobre mim queimou. Não de um jeito ruim. Ela só parecia estar me dissecando como se quisesse descobrir a ínfima camada de mim. Fiquei tentado a contar todos os meus segredos só para isso parar.

Depois da tia, ele me levou a um tio alto e grisalho que estava bebendo vinho branco próximo ao pequeno lago ornamental totalmente sozinho. Na verdade, acho que tinha acabado de terminar uma chamada quando me aproximei. Ele falou comigo um pouco mais, olhando meu jeito de vestir discretamente e dizendo quão surpreso está por eu estar aqui. Só pude responder que estava muito grato pela hospitalidade - eu olhei bem feio para Josh nessa hora, porque a hospitalidade dele foi terrível - e que seria um prazer ficar um tempo lá.

Rodamos um pouco cá e acolá, apresenta-me a alguns primos e parentes mais distantes que, segundo o próprio Josh, não sabe pra que porra eles estão aqui. Em síntese: não gravei o nome de ninguém. Ou melhor, apelido. Acredito que Josh não tem um apelido porque seu nome já é curtinho. Ah, ele também me proibiu de ficar pegando o nome dele para juntar com palavras já existentes - como Baeuchato, Beaucaralho, Beauchittos, Beaucu, Beaucorno, Beaucão... Estou proibido.

E agora ele me disse para ficar quieto e em silêncio, porque a mãe dele já notou minha presença, então devemos ir falar com ela e seu avô senão ela vai encher o saco. Eu não sei por que Josh é assim com a família dele, todo mundo parece normal.

- Obrigado - ele sussurra quando estamos caminhando ao banco onde encontra-se sua mãe. - É pura atuação.

Não mais pergunto nem comento nada. Vou deixar como está. Assim que me aproximo, cumprimento ambas figuras e deixo que Beauchamp faça minha apresentação. Seu avô está sentado, em silêncio, apenas olhando para mim. Ele é aqueles vovôs que parecem estar cansados demais para se importar com as coisas, os fios do cabelo estão extremamente brancos e ele veste-se tão bem que se eu pudesse roubar suas roupas eu compraria meu apartamento e ainda sobraria troco.

A mãe de Josh não é diferente. Tem cabelos longos e posta-se de uma elegância descomunal. Usa jóias, roupas chiques e, acima de tudo, tem um olhar mais julgador que daquela primeira tia. Levemente agita o vinho tinto na taça ao olhar-me. Não consigo identificar se é positivo ou negativo. Eu tenho um pouco de medo de gente rica. Já quero fugir. Vou pular no lago e sair nadando.

- Ah, então foi você com quem Josh teve um noivado de uma noite? - ela pergunta do nada, claramente se referindo ao dia que eu e Josh bebemos e eu pedi ele em casamento.

Foi um inferno para desmentir todas as informações que estavam rondando a internet.

- Não foi real - respondo.

O avô de Josh fica me olhando, então me curvo num pedido de desculpas formal. Beau me puxa pelo braço, depois toma a frente e conversa alguma coisa com eles. Cita meu nome inúmeras vezes, mas não sei do que se trata. Já está escurecendo um pouco, o sol está descendo devagar. Não sei de onde está tocando uma melodia clássica, mas é possível escutar. É como se toda a família estivesse numa espécie de festa de jardim em que cada um fica no seu próprio grupinho, bebendo vinho, alguns conversando ou não... Isso é esquisito. Não sei. Não há muito calor.

crises et chocolat  ✰  Nosh  ❖  Now UnitedWhere stories live. Discover now