nós não viajamos juntos já tem um tempo

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Minha mãe decidiu fazer um tour por Los Angeles sem mim. Três dias inteiros gastos andando pela rua. Segundo ela, arranjou um guia e está seguindo-o por todos os cantos. Eu só a vejo de manhã antes de sair e quando chego em casa.

Recentemente gravei os últimos episódios de Cook & Taste. Eu chamei um dos participantes para trabalhar comigo. Hendery, o dito cujo. Ele tem muito potencial, é ousado, mas às vezes acaba fugindo muito da proposta ou tem ideias mirabolantes demais. A ousadia dele me fascinou. Ele já foi eliminado, porém é um ótimo profissional. Chamei-o para trabalhar comigo como meu aprendiz. Ele topou. Por ora, só está tirando o lixo e lavando louça. Eu disse que, se ele quiser realmente ser um chef um dia, tem que entender e passar por todas as etapas que ocorrem na cozinha. Até agora não está tendo reclamações. Mas eu vou ser honesto, isso me leva certo tempo, porque às vezes ele me faz perguntas e eu preciso tirar as dúvidas.

Uma coisa é boa: minha mãe não liga se eu chego tarde. Ela sempre está sentadinha no sofá assistindo algum programa. Conquanto, parece uma formiga fuçando minha dispensa e pegando minha comida. Meu estoque de grãos foi pelos ares. Minha banana seca e minhas nozes também. Aparentemente, minha mãe não sabe que pode comer pipoca quando estiver assistindo alguma coisa na televisão. É preciso muita paciência. Eu sempre procuro, porque ela teve paciência para trocar minhas fraldas. É isso que ela me diz a cada suspiro que dou quando me pede alguma coisa.

O lance do Noah me deixou ansioso e irriquieto, apático quase. Também, não é de se esperar coisa diferente. Ele continuou o mesmo na internet, mas não falou mais comigo. Também não falei mais com ele. Estamos assim. Não digo isso no sentido de não querer falar com ele. Quero ter oportunidade. É difícil quando minha mãe fica enchendo o saco o tempo todo. Ela não para de falar e isso às vezes me faz querer surtar. Eu sou acostumado com o silêncio da minha casa ou com a risada besta do Noah. E pensar nele me mata de modos indescritíveis. Nesses três dias, morri tanto que acredito que os meus miolos sejam os únicos que estejam intactos. Perdão, é um erro. Acho que nunca tive miolos. Minha mãe me acha orgulhoso demais, só que não gosto de pensar nisso.

— Josh — ela me chama quando está debruçada sobre a mesa, respondendo uma revista de Palavras Cruzadas.

Seu jeitinho de me chamar lembra o de Noah. Às vezes só estamos nós dois no ambiente, não tem porque me chamar para falar algo. É só falar. Mas não. Eles dois têm essa mania de me chamar, querer minha atenção, e eu acabo indo na de ambos.

— Hm? — dou uma pausa no episódio do tal Drama que meu primo participa. Sei lá, fiquei curioso.

— Eu volto amanhã.

Finalmente!

— Sério? — giro meu corpo no sofá. Estou deitado há, pelo menos, duas horas.

— Quero que você venha comigo. Bater um papo com seu avô e... resolver as coisas com seu tio.

— Hein? Por que eu teria que resolver as coisas com ele? — ela nem especificou o tio, mas eu sei bem a quem ela se refere.

Ela gira o corpo na minha direção.

— Digamos que... ele tenha feito uma coisa ruim, que com certeza você não aprova, e foi pego no pulo por mim. E agora seu avô disse que está cansado de todo mundo quebrando a confiança um do outro. Então, de modo geral, eu tenho essa missão de te levar para lá. Além disso, seu avô quer conversar umas coisas com você sobre seu futuro e sua vida.

Largo o telefone de qualquer jeito no sofá e levanto-me olhando minha mãe. Não creio que ela ficou esse tempo todo aqui caladinha sobre o assunto, só falando dos outros e reclamando das minhas cortinas e xícaras.

crises et chocolat  ✰  Nosh  ❖  Now UnitedWhere stories live. Discover now