nós vamos dar um rolê

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Em “As dores do mundo”, Arthur Schopenhauer afirma que “o mundo é o inferno, e os homens dividem-se em almas atormentadas e em diabos atormentadores.” Por algum motivo, essas palavras não saem da minha cabeça há um tempo. Segundo ele, a dor é positiva, enquanto a felicidade é negativa. E isso me fez pensar...
No fundo do meu caderno, anoto: o céu talvez seja o verdadeiro inferno. Eu odiaria o ócio, o tédio, a repetição... E se em tese estivermos mortos, como poderíamos nos livrar de tamanho inferno? Digo isso porque prontamente o associei a The Good Place — ok, sou formado em sitcoms, mas rir de desgraças ficcionais me parece mais fascinante do que assistir jornal — e seu final. Há de ter um escape para a felicidade. É preciso. Na série, por exemplo, as pessoas que vivem no Lugar Bom estão cansadas e entediadas, pois têm tudo o que querem e este ócio é insuportável. Simplesmente insuportável. Mas imagina se isso fosse real... Se realmente tivéssemos tudo que queremos, o que seria de nós? Decerto, não queremos a dor, não a almejamos. Então certamente neste mundo perfeito não haveria espaço para sofrer. Porém, convenhamos, a ausência de sofrimento já é um sofrimento. Se numa corrida não há obstáculos, você vai diminuindo a velocidade e por fim para.

No entanto, pensar nisso não é dizer que uma vida miserável é o recomendado. É só um levantamento, entenda. Que vivemos num ciclo de desejo e insatisfação. E todos os dias espetamos uns aos outros como se precisássemos disso para viver. Existe uma música que gosto bastante, Set in Stone de Milk & Bone, e meu trecho favorito é o início do refrão: “eu quero viver uma vida em que nada mais me machuque”. Sim, eu também quero isso. Mas tudo que eventualmente almejo, é o que eventualmente me destrói. E é engraçado pensar nessas coisas, porque estou na primeira pessoa e é difícil julgar com precisão, ao contrário de alguém que esteja vendo tudo ocorrer. O que o sol acha de nós? Que somos mesquinhos? Eu não discordaria, também sou. Mas viver em comunidade me faz ser menos, vou ser honesto. Não há instinto pior do que a falsa sobrevivência. Acho que só precisamos cagar e comer, o resto é capricho. Eu não preciso comprar um tênis novo.

Ainda estou me questionando sobre algumas partes do livro, tais quais: “Porque a nossa existência assemelha-se perfeitamente à consequência de uma falta e de um desejo culpado…” Quero pensar um pouco sobre o assunto, sendo honesto. Porém tem uma que, sinceramente, fez-me sorrir deveras. A dita cuja: “Penso, às vezes, que a maneira mais conveniente de os homens se cumprimentarem, em vez de ser Senhor, Sir etc. poderia ser: 'companheiro de sofrimentos, soci malorum, companheiro de miséria,  my fellow-sufferer'”. Então, sim, é sobre isso. A única coisa que nos mantém vivo, que nos matém caminhando é a dor. Logo, a dor é positiva. Sendo esta miséria fruto do criador ou de nós mesmos.

— Você vai fazer alguma coisa hoje?

— Daniel cutuca meu braço no meio da aula, e eu pisco os olhos lentamente por puro cansaço.

— Ahn... Acho que eu vou fazer a barba e ir dormir. A não ser que meu namorado queira ficar comigo, o que eu acho pouco provável — estico o corpo sobre a cadeira e viro-me para fitar o rosto de Daniel. — Por quê?

— Achei que gostaria de jogar CS.

— CS é tão antiético, Daniel... — estreito os olhos e balanço a cabeça na negativa, porém solto um sorriso. — Eu não posso jogar hoje porque fico estressado. Amanhã temos apresentação. Vou dormir cedo para ter energia amanhã. Preciso estudar mais.

— Uh, pensei que gostaria de relaxar da tensão.

— De certa forma... — eu começo a falar, mas sou interrompido por uma colega de classe que me olha feio e faz "shh" enquanto aponta para a tela onde está sendo projetado um documentário. Aproximo-me de Daniel e falo baixinho: — Ando muito cansado, acho que cochilei durante o filme todo...

crises et chocolat  ✰  Nosh  ❖  Now UnitedOnde as histórias ganham vida. Descobre agora