nós temos tanta sorte

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Dois dias sem ver Josh. Bem que ele disse que era bom eu aproveitar enquanto estivesse por perto, porque depois daquele dia não o vi mais. Não é que eu sinta falta dele exatamente o tempo todo e não consiga tirar ele da cabeça. É que quando fico entediado eu costumo procurar no meu cérebro alguns pensamentos e imagens que trazem conforto, de repente ele surge. Saudades dele, espero que esteja bem. Só conversamos vez ou outra pelo telefone, porque Beauchamp demora dois séculos para me responder. Não é novidade, já que quando eu estava em na minha cidade natal era assim mesmo. A questão é que eu respondo ele rapidinho e ele some por horas. Tipo agora. Estou esperando sua resposta de algo que perguntei oito da manhã, sendo que já vai dar duas horas da tarde.

açúcar papai: já comeu?

Oh, olha só quem aparece quando já estou saindo do banheiro! Ele mesmo! Sei que brinco com isso, porém às vezes realmente não tenho muito o que fazer e preciso me distrair da minha distração que é falar com ele. Hoje de manhã fiquei desenhando no meu bullet journal e organizando tudo, porque o outono já tá vindo sapatear e eu preciso deixar tudo bonito com as cores da estação e a estética. Se não fosse por isso, eu estaria surtando com a demora de Beauchamp.

você: não

Merda, era pra eu ter mentido. Procuro um meio de apagar a mensagem e, quando consigo, digito que comi sim, foi agora há pouco.

açúcar papai: eu já tinha lido :)

açúcar papai: vai almoçar, noihnha

você: não quero, Joshinho

açúcar papai: simm você nem tá comendo, aposto

você: tô sim

açúcar papai: porra banana cacete

açúcar papai:

açúcar papai:

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você: credo

você: o que anda fazendo?

E... Ele não me responde mais, pra variar. É sempre assim. Passamos dois a cinco minutos trocando farpas, mas depois ele some. Bem, está tudo bem, ele é uma pessoa ocupada. Ontem eu estava falando justamente isso com minha psicóloga e ela me recomendou ser mais compreensível e sair da minha bolha de vez em quando. Estou tentando fazer isso.

Após atender três clientes mega demorados, de repente um desses entregadores por aplicativo para na frente da floricultura. Não dou atenção, pois estou falando com Zabdiel sobre o trabalhão que vamos ter daqui a um mês, quando rolar um casamento pelo qual fomos contratados. Ele diz que deveríamos ter uma van, aí eu reclamo, porque um dia desses ele estava pedindo uma scooter e eu já estava vendo os preços na internet.

— Mas uma van vai ser melhor para o casamento, não tem como tudo ser de scooter — ele vai dizendo.

— A gente pode alugar uma van só pelo casamento. Não adianta ter uma van se não vamos ficar usando. Vai usar a van só par levar um buquê ali do lado? Acha que combustível dá em árvore?

— Mas se aparecer vários eventos e formos contratados? Não vale a pena ficar alugando van.

— Se a demanda for grande, tudo bem. Mas é pequena, então sem chances comprar uma van agora.

— Só que você...

— Boa tarde, algum de vocês dois é Noah Urrea? — o moço da entrega interrompe Zabdiel, e eu juro que nem percebi o momento que ele entrou na floricultura com uma caixa térmica nas mãos.

— Sou eu — dou um passo à frente.

— Aqui, entrega para você — ele me dá a caixa e já se prepara parar ir embora.

— Ei, ei — faço-o parar. — Eu não pedi nada.

— Josh mandou para você. Boa tarde — então ele simplesmente sai e volta para a moto dele.

Zabdiel olha para a minha cara, eu olho para a caixa e fico sem saber o que pensar.

— Tá esperando o quê? Abre! — ele me instiga.

Eu respiro fundo e ponho a caixa sobre o balcão. Quando eu abro, percebo que tem várias vasilhas com comida aqui. Abro de uma em uma e reconheço tudo. Ora, já trabalhei lá e sei cada prato que ele vende. Tem Carpaccio d'ananas à la vanille. Uma enorme porção de paillard de filet mignon com fettuccine (não sei qual o molho, mas vou saber em breve). Tem um potinho com souflé de queijo e outra vasilha com duas fatias de Tarte tatin. Também tem alguma coisa embrulhada numa folha de papel, que descubro ser dinheiro. Ao lado do dinheiro tem um bilhete escrito:

Almoce. Coma direitinho, tá bom? Quero que você coma tudo. Gaste o dinheiro comprando um sorvetinho para você e Zabdiel depois. Espero que goste. Je t'adore!

~ Ten

— Que delícia namorar um chef de cozinha — Zabdiel se mete onde não é chamado, já querendo saber o que tem aqui dentro.

— Eu não acredito que ele fez isso... Mandou mesmo comida para mim? — deixo os ombros caírem e solto um suspiro meio confuso. Eu realmente não acredito nisso.

— Por que você não casa com ele logo?

— Acha que não quero?

Me afasto para pegar meu celular, pois tem uma chamada sendo anunciada na tela. É Josh. Peço que Zabdiel ponha tudo da caixa para fora e arranje um garfo para mim, porém tenho total consciência de que ele também irá comer comigo.

— Alô? Poxa, Josh... Não era para você ter se preocupado com isso — digo ao atender.

— Coma logo. Eu quero que você coma, senão não vai ficar saudável.

— Eu sou saudável, sim.

— Ah, vou bem citar os acidentes que já aconteceram por você não comer direito... E, por favor, se cuida mais, por favor?

— Tá bom, vou tentar... E para de repetir "por favor", por favor.

— Eu não quero tentativas, quero resultado. E me deixe em paz com meu jeito de falar.

— Credo, Joshinho... Seja mais amoroso.

— Eu estou sendo. Coma logo tudo. Tchau — e encerra a ligação. Não sei porque estou surpreso com isso.

Guardo meu celular e volto a ficar perto do balcão. Zabdiel também apareceu com um garfo para ele, como esperado. Só que ele não fica comendo, só belisca uma coisa ou outra, dizendo que recebeu instruções de que eu deveria comer a maioria, porque estou há muito tempo sem comer. Josh exagerou pra dedéu dessa vez, porque hoje de manhã eu comi duas barrinhas de cereais e bebi um copão de latte. Eu sou feito de aço.

— Essa torta é uma delícia... — Zab comenta baixinho, comendo uma fatia da Tarte tatin mandada por Josh. — Nosso namorado é um amor. Nós temos tanta sorte por tê-lo...

— Tá maluco, Zabdiel? — eu viro o rosto na sua direção e lhe dou um tapa no braço. — O homem é meu e somente.

— Por enquanto, né? Eu vou largar Jonah e, da próxima vez que Josh aparecer aqui, eu vou jogar meu charme nele e vai ser impossível ele resistir.

— Não brinque com isso... — eu corto o filé que está no ponto que eu realmente gosto. Josh me conhece tanto...

— Hm... — de boca cheia, ele chama minha atenção. — Tem alguém te ligando.

Olho para o meu celular sobre o balcão e não reconheço o número. Ignoro. Em pouco tempo, me liga de novo. Dessa vez eu atendo. Fico meio perdido ao escutar a voz daquela jornalista, ela quer saber se podemos nos encontrar ali numa praça aqui próximo umas três da tarde na segunda-feira. Eu mando uma mensagem para Josh perguntando, mas ele não responde. Mando para Va Te Fouder, que fala com ele, e depois aparece com uma confirmação. Então eu digo a moça que tudo bem, que estaremos lá. Ela agradece e eu volto a comer. Fico nervoso com essas coisas. Eu não sabia que nosso relacionamento iria ficar tão público assim.

crises et chocolat  ✰  Nosh  ❖  Now UnitedWhere stories live. Discover now