nós vamos pular juntos?

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Acontece que ele é uma criança bem bestinha. Após as nossas peripécias entre as flores, caminhamos de mãos dadas para direção onde sei que tem a correria da cachoeira. Sinto-me extremamente alegre agora, sinto minha juventude bebendo-me por inteiro. Meus pés estão um pouco cansados por eu andar tanto, porque já não tenho mais dez anos e também não ando tão entediado quanto antes. Mas ainda sou jovem e por isso amo. Amo tanto e aperto a mão dele na minha, porque eu um dia fugi e corri e me desesperei por algo que estava dentro de mim, e não no exterior. Portanto, afogo-me, rendo-me, sei que sou volátil, vou partir, virar poeira. Então não sofro mais, não quero. Por que, no meio do caminho, paro para abraçá-lo pela cintura e lhe dou um beijo na bochecha para que fique na sua memória.

— Eu juro que não sou acostumado com esse carinho vindo de você — comenta ele, me abraçando também.

— Eu só estou assim porque estou entorpecido pela fome.

— Ew, mentiroso de uma figa! — ele ri todo jeitoso, tão bonito e brilhante que eu fico muito feliz. Sinto até umas borboletas no estômago. Eu detesto isso.

— Mas eu realmente estou com fome — eu conto, porque é verdade. Só tomei café e já é de tarde, nem sei como ainda estou de pé.

— Eu vou subir numa árvore e vou arranjar comida para você — e assim que diz isso, ele olha para cima e tenta ver a possibilidade de conseguir alguma coisa.

— Eu não vou comer fruta.

— Então eu vou te arranjar formiga e aranha...

— Por que você é assim? — eu rio, puxando-o para continuarmos a andar.

Já consigo escutar o barulhinho da água e ele também. O bom da natureza é que nunca é silenciosa, mas seu barulho acalma até os corações mais aflitos. Eu gostava muito de andar por essas bandas quando ficava bravo ou queria me isolar. É calmo. Parece-me, às vezes, um ancião tocando em meu peito e dizendo: vem cá, tira essa raiva e desespero do peito, que o mundo é grande e é belo, e tu és apenas uma formiga a caminhar. Tira essa raiva, porque ela não muda o mundo para melhor e seus problemas são estúpidos para a natureza. Tira essa raiva, senta e escuta a água cair e perceba que as coisas não irão sair do lugar só porque você está ansioso e desolado.

E a cacheira continua do mesmo jeito de anos atrás. Não tem mais os meus escritos num par de pedras, pois certamente as chuvas apagaram. Mas sinto que esse lugar tem um pedaço de mim em cada centímetro. A água jorra e escorrega entre as pedras e aos poucos tropeça nas minhas emoções. E essa imensidão meio turquesa meio menta reflete os meus sentimentos mais puros, os que tenho vergonha de expor. Mas está aqui, claro e explícito. Eu amo e isso é lindo. Mesmo que às vezes doa.

— O fato de que já temos tudo o que precisamos... Mesmo assim, insistimos em procurar algo inexistente que nem sabemos do que se trata — Noah comenta ao meu lado, olhando o mundo desaguar perto de nós. — É decepcionante, não é?

— Talvez um dia iremos perceber que nada vale tão a pena assim — afasto o cabelo do rosto e encaro-o. — Criamos todo um sistema confuso e complicado para fazer a coisa mais simples e básica: viver.

— Você se sente livre, honestamente?

— Livre, sou. Mas eu mesmo me aprisiono por conta do estilo de vida social. Acabo preso nele, mesmo odiando.

— Me deu vontade de fugir pro mato com você — ele diz, soltando uma risadinha anasalada e baixa. — Eu não sei por que você leva tão a sério as coisas que falo.

— Porque fazem sentido — explico. — E você tem razão. A natureza é linda e é tudo que precisamos. Mas destruímos e agimos como se não fizéssemos parte dela.

crises et chocolat  ✰  Nosh  ❖  Now UnitedOnde as histórias ganham vida. Descobre agora