nós dois estamos crescendo do nosso jeitinho

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Um dia eu estava em casa sentado no sofá e vendo a vida passar. O vizinho da frente fazia uma festa, mas eu não fui convidado. Eu sequer sabia o nome do vizinho. Meu pai sabia, provavelmente, mas eu não. Eu nunca sabia nada. Estava de tarde. O relógio marcava 17hs, eu me lembro. Alguns minutos a mais, perdoe-me a falta de exatidão. Mas eu estava lá, jogado no sofá, olhando a parede e esperando o tempo passar. Eu teria aula no dia seguinte. A última antes das férias. Eu estava com fome, mas não tinha tanta coisa para comer. O pouco que tinha, eu não queria, estava tão enjoado que poderia vomitar. E quando levantei-me cuidadosamente e passei para a cozinha, pensei: será que consigo ficar 24hs sem comer? Não foi assim que tudo começou, mas esse foi um passo importante. Um passo importante para o que me tornei.

Os anos rolaram e agora estou aqui, encarando a mim mesmo no espelho embaçado pelo meu recente banho. Estou maior, mais velho, e tem barba espichando em meu queixo. Pensei que, como não estou com Josh recentemente e não tenho sua voz ao meu redor me pedindo para barbear, eu poderia simplesmente deixar crescer. Agora tem algo ralo e esquisito crescendo em meu rosto, porém não deixo de pensar em como cresci e em como meu corpo é apenas uma ferramenta masculina criada por algo que vai além do meu controle. É uma tortura, não é? Nós, humanos, termos que lidar com coisas que vão além dos nosso limite, que não entendemos exatamente e gostaríamos tanto de controlar. É apenas um brinquedo que está na prateleira de cima para que não possamos alcançar e, por conseguinte, destruir.

E a escova desliza pelos meus dentes devagar, porque esses pensamentos me distraíram. Meu cérebro diz que preciso estar pensando sobre a violência da positividade exagerada em Sociedade do Cansaço de Byung-chul Han, mas os meus dedos insistem em pegar meu celular para checar minhas redes sociais e, especificadamente, um certo alguém.

De acordo com sites locais, eu e Josh nunca mais fomos vistos no mesmo lugar ou postamos alguma coisa juntos. Uma notícia na internet também diz que faz um tempo que Josh não me menciona em lugar algum. Em uma entrevista, quando perguntado por mim, ele apenas respondeu que estou bem, saudável e vivo. E eu não sei o quis dizer com isso.

Ok, ok... Tenho que voltar a pensar sobre o artigo... Ok... Vamos lá! Tenho que pensar em como a sociedade disciplinar dita por Foucault não é mais atual, aqui neste século. E que segundo Byung-chul, estamos vivendo na sociedade do desempenho. Que somos denominados assim pelo desempenho e produção. A sociedade disciplinar é baseada na negatividade, cria pessoas loucas e também delinquentes. A do desempenho, na positividade, cria depressivos e fracassados... E... Porra, olha como Beauchamp está lindo nessa foto durante a queda de neve!

- Você está há meia hora aí dentro! - duas batidas na porta e a voz de Krystian me acordam para a vida.

Na pressa, tomo uma decisão: vou dar block no Josh só para não me distrair, só para me afastar das notícias e de tudo que isso significa. Eu faço isso. Arrependo-me no mesmo segundo, mas não desfaço. Bloqueio menções ao seu nome nas minhas redes sociais e paro de seguir vários perfis. Não é que eu não gosto dele. Mas depois daquela conversa... É difícil segurar o fôlego dentro do peito. É difícil me segurar.

O Josh está pensando em morar comigo. O Josh que mal me beijava na boca, de repente está querendo morar comigo. E eu começo a imaginar o seu rosto toda fucking manhã com cara de sono, o cabelo bagunçado, a preguiça horrenda em se levantar e a disposição em preparar o café da manhã. Penso em dividir o banheiro com ele, escovarmos dentes lado a lado, de nos beijarmos durante a ducha ou na banheira. Penso naquelas calças folgadas que usa, mas sem cueca, e no tipo de coisa que eu poderia ousar fazer quando ele estiver moscando. Penso em deitar contra o seu peito ao assistir televisão, de vê-lo tocar piano, de aguar suas plantas - nossas plantas -, de dormir recebendo um carinho gostoso no couro cabeludo...

crises et chocolat  ✰  Nosh  ❖  Now UnitedOpowieści tętniące życiem. Odkryj je teraz