45. Feel Special

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Temos revelações importantes nas notas, não pulem

postei mais cedo porque sim

A primeira coisa que sinto é uma mão enrugada e gelada envolver a minha.

Algumas palavras voam pelo ar, mas quando chegam em mim, mal consigo distingui-las porque meus ouvidos parecem estar tampados, sinto que estou debaixo d'água. Um zunido suave parece interromper qualquer tipo comunicação do mundo exterior para mim.

Porém, por alguma razão, consigo saber que está chorando.

É um choro baixinho, contido. Aos poucos, parece que os tampões são retirados e consigo ouvir de forma clara.

– Me desculpe, Lola – consigo identificar a voz do meu pai naquele mar de sonolência e dores pelo corpo. – Eu deveria... Eu deveria ter sido um pai melhor... Deveria ter sido menos duro com você e Diane... Eu deveria... Abrir mais pra vocês. Deveria ser um pai melhor.

Ele continua se lamuriando, soluçando entre as lágrimas que escorregam pelo seu rosto cansado. É raro escutar o meu pai chorar. Mal me lembro a última vez que presenciei ele assim. Fico até pensando que estou sonhando, mas sei que é real.

Quando consigo abrir os olhos, mesmo que minimamente por causa das pálpebras que estão pesando toneladas, consigo ter o vislumbre da sua cabeça abaixada e os ombros caídos.

Ele até tenta falar mais algumas palavras, mas parece que o choro consegue impedi-las de escapar. Meu pai deita a cabeça na cama e continua a chorar, segurando minha mão, um pouco fraco, mas de forma desesperada que consigo sentir em seu toque.

Papai tem razão. Ele sempre foi duro comigo. Achava que eu não podia praticar dança e outras artes com medo que eu acabasse que nem a mamãe. Nunca acreditou que a gente pudesse ser diferente, sempre foi rígido e raramente expressava algum sentimento.

Porém, eu lembro do meu pai antes de ficarmos mais velhas. Um pai solteiro cuidando de duas garotas, dando seu amor apesar de ainda estar sofrendo. Ele sempre insistiu que eu melhorasse as minhas notas, esperava que eu fosse alguém no futuro, me mostrou sua empresa, com orgulho, porque acreditava que um dia eu seria capaz de assumi-la.

Ele esboçava sorrisos, mesmo por debaixo de toda aquela casca de frieza e dor.

Por causa desse pai que sempre vi como um homem marcado pelo suicídio da esposa. E sempre tive esperança que ele voltasse a ser como antes. É engraçado como as coisas funcionam. Sempre tive ressentimento do meu pai, ficava magoada por ter ser fechado, por me proibir de muitas coisas, mas nunca deixei de amar ele, porque sabia, sempre soube, que no fundo ele tinha mais do que aparentava mostrar.

E acreditava que ele poderia mudar, que poderíamos ter uma relação melhor.

Tinha esperanças que o pai carinhoso que me lembrava do passado poderia retornar. E vê-lo pedir desculpas, me dá certeza que isso pode ser real, que não preciso desistir, posso continuar esperando por ele.

Com os dedos fracos e com bastante dificuldade, consigo apertar a mão do meu pai.

Consigo abrir os olhos por completo, vendo minha mão sobre a sua apesar de sentir o quarto rodar ao meu arredor.

Meu pai ergue a cabeça imediatamente, com os olhos vermelhos e inundados de água, sem reação, quase como se tivesse esquecido do motivo de estar chorando.

Tento dizer: não chore, papai, mas não consigo por estar com algo ao redor do meu pescoço, me impedindo de continuar. Minha garganta dói com a tentativa, mas acho que foi o suficiente pra chamar atenção dele e tentar confortá-lo.

Teoria da Serendipidade [CONCLUÍDO]Where stories live. Discover now